Épico sobre o Holocausto, com Kate Winslet e Ralph Fiennes, venceu o Oscar e está na Netflix Divulgação / The Weinstein Pictures

Épico sobre o Holocausto, com Kate Winslet e Ralph Fiennes, venceu o Oscar e está na Netflix

Bernhard Schlink, em seu romance “O Leitor”, lançado em 1995, apresenta um relacionamento controverso entre Michael Berg, um jovem de 15 anos, e Hanna, uma mulher de 36 anos que trabalha como cobradora de trem. Ambientado na Alemanha pós-guerra, o romance aborda a dinâmica entre os dois protagonistas, que se conhecem por acaso e rapidamente desenvolvem uma intensa relação física e emocional. O encontro diário deles após as aulas de Michael cria um vínculo profundo, no qual ele lê para Hanna, que é analfabeta. O relacionamento é abruptamente interrompido quando Hanna desaparece de forma misteriosa.

A adaptação para o cinema, dirigida por Stephen Daldry em 2008, trouxe para as telas uma interpretação aclamada da história. Kate Winslet e David Kross interpretam, respectivamente, Hanna e Michael, com Ralph Fiennes assumindo o papel de Michael em sua fase adulta. O filme foi um grande sucesso, culminando em cinco indicações ao Oscar e garantindo a estatueta de Melhor Atriz para Winslet, consolidando sua performance inesquecível.

O reencontro de Michael com Hanna ocorre anos depois, em um tribunal. Agora estudante de direito, ele assiste ao julgamento de Hanna, que está sendo acusada, junto a outras mulheres, por crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial. A acusação central envolve o aprisionamento de judias em uma igreja incendiada, evento que trouxe consequências trágicas. O professor de Michael, interpretado por Bruno Ganz, os leva a refletir sobre questões éticas e morais envolvidas, incluindo a responsabilidade individual e coletiva dos atos cometidos durante o Holocausto.

O dilema de Michael é singular. Diferentemente de seus colegas, ele conhece Hanna não apenas como uma ex-guardadora da SS, mas como uma pessoa com quem compartilhou um passado íntimo. Ele não consegue condená-la da mesma maneira que os demais. Ao mesmo tempo, ele é confrontado com a complexidade da culpa e a cegueira moral que Hanna parece ter, causada não apenas pela sua obediência cega às ordens, mas também pelo seu analfabetismo. Michael tenta justificar as ações de Hanna, atribuindo parte de sua responsabilidade à sua incapacidade de compreender o impacto completo de suas escolhas. No entanto, para seus colegas, essa justificativa parece falha, pois tentam lidar com o conceito de “Vergangenheitsbewältigung”, o processo de superação do passado nazista por gerações futuras.

No decorrer do julgamento, Michael percebe que poderia salvar Hanna ao revelar seu analfabetismo, o que provaria que ela não poderia ter redigido o relatório incriminador. Contudo, ele escolhe não agir. Essa escolha, junto com suas memórias do relacionamento, assombra Michael durante sua vida adulta, marcando-o de forma irreversível.

A alfabetização de Hanna, que ocorre após sua prisão, traz um novo nível de compreensão para a personagem. Schlink utiliza a linguagem como metáfora tanto para a conexão entre os dois quanto para a incapacidade de Hanna de compreender plenamente o que estava em jogo. O autor sugere que a falta de habilidade para ler e escrever não apenas prejudicou suas comunicações, mas também afetou sua capacidade de julgamento moral. No entanto, ele não oferece desculpas para Hanna; a condenação pela justiça é acompanhada por sua própria condenação interna, à medida que ela finalmente reconhece a gravidade de seus atos.

“O Leitor” levanta questões perturbadoras sobre culpa, redenção e a complexidade do julgamento moral. A versão cinematográfica, disponível na Netflix, preserva a profundidade e intensidade da obra, proporcionando um retrato poderoso de como o passado e o presente se entrelaçam, e como as escolhas individuais podem deixar cicatrizes duradouras.


Filme: O Leitor
Direção: Stephen Daldry
Ano: 2008
Gênero: Drama/Romance/Mistério
Nota: 9

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.