Da mesma diretora de Fleabag, a joia escondida da Netflix que todo fã de séries precisa assistir Divulgação / Netflix

Da mesma diretora de Fleabag, a joia escondida da Netflix que todo fã de séries precisa assistir

O fim da juventude pode ser uma vitória ou um fardo. Vencer as cruentas batalhas que a vida nos impõe logo no princípio de nossa jornada no mundo demanda de cada um doses maiores ou menores de sacrifício, renúncias e privações, empreitada que nem todos estamos dispostos a bancar. Acontece que há, claro, as muitas circunstâncias em que viver mais parece um jogo, uma brincadeira de crianças travessas. Eventos inesperados, repentinos, trágicos, tudo quanto pode haver de surpreendentemente melancólico e acerbo no fado de uma pessoa se anuncia com toda a delicadeza, como um cancro maligno no organismo até então saudável, ou cai do azul de chofre, derrubando qualquer um que lhe tente deter. 

Ninguém pode dizer que seja absurdo encontrar um grupo de amigos que passa a morar nos escombros de um hospital para economizar o aluguel, o mote de “Crashing”, até hoje uma boa recordação na memória de espectadores do mundo todo. Concebida por Phoebe Waller-Bridge, a comédia de situações distribuída nos seis episódios a cargo de George Kane tira mais do que seria possível a uma apreciação ligeira, conduzindo o olhar do público pelas carências quase invisíveis de cinco personagens, expostas com a chegada de uma intrusa quase doce.

O episódio de abertura rompe com Kate e Anthony, o casal interpretado por Louise Ford e Damien Molony, numa das eternas discussões de seu conturbado relacionamento, quando o ambiente é preenchido pelas figuras de Sam, Melody e Fred, sobre os quais se vai falar mais ao longo desses primeiros 23 minutos. Lulu, uma amiga com quem Anthony parece já ter tido um caso, cai do azul, e a partir de então muito do que se assiste passa a girar em torno da escapadelas extraconjugais dos dois, o que compromete bastante o andamento orgânico da história, ainda que não fiquem de fora a homossexualidade reprimida de Sam, apaixonado por Fred. 

Essas são decerto as melhores cenas em “Crashing”, com Jonathan Bailey dando vazão a uma categoria muito peculiar de misoginia e autoflagelação homofóbica, ao passo que Amit Shah encarna a própria doçura, sublinhando a confusão de sentimentos de Fred, uma presa fácil do temperamento manipulador de Jonathan. Voltando à vaca fria, as idas e vindas de Kate e Anthony cansam, malgrado Ford e Molony achem uma ou outra brecha na qual insinuam a origem dos conflitos. Nesse movimento, Waller-Bridge, a intérprete de Lulu, salva o enredo de seu destino melodramático e modorrento por natureza, pendendo para a conclusão lógica e nada romântica.


Série: Crashing
Criação: Phoebe Waller-Bridge 
Ano: 2016
Gênero: Comédia 
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.