Últimos dias para assistir a um dos suspenses investigativos mais importantes dos anos 1990, com Denzel Washington, na Netflix Divulgação / Columbia Pictures

Últimos dias para assistir a um dos suspenses investigativos mais importantes dos anos 1990, com Denzel Washington, na Netflix

O gênero humano parece sempre buscar quem o redima, o que acaba sendo tanto sua maldição quanto sua possível salvação. Enfrentando suas próprias limitações, o homem se depara com a inevitável constatação de que oferecer uma palavra de apoio, um sorriso genuíno e desarmado, ou até mesmo um olhar de empatia, exige um esforço colossal. Esse tipo de atitude, livre de pretensões, pode se comparar a uma jornada interior extenuante, onde as experiências mais surreais podem, ironicamente, ser vistas como banais.

Essa complexidade que cerca cada indivíduo está envolta em dilemas profundos, e as respostas para tais questões só emergem à medida que somos confrontados com as partes mais obscuras de nosso próprio ser. Essa jornada, superficialmente simples, nos permite uma compreensão mais profunda de quem somos, bem como do papel que desempenhamos na vida dos outros. Apenas nesse momento, após esse processo de introspecção, somos capazes de medir a relevância de nossa influência sobre aqueles ao nosso redor.

Desde a infância, somos ensinados que o mal raramente se apresenta de maneira tão óbvia quanto se imagina. Ele se manifesta de formas inesperadas, às vezes até encantadoras, o que torna ainda mais desafiador reconhecê-lo e enfrentá-lo. Essas manifestações, paradoxalmente atraentes, evocam em nós uma delicadeza peculiar, que nem todos são capazes de compreender. É esse mesmo fascínio que desperta nosso instinto de sobrevivência, uma força que surge de maneira misteriosa e que nos serve não apenas como proteção, mas como um guia crucial em momentos de perigo iminente.

O filme “O Colecionador de Ossos” (1999), dirigido por Phillip Noyce, exemplifica essa complexidade. Embora possa ser analisado sob diferentes prismas — alguns, talvez, até delirantes —, ele se destaca por oferecer sempre uma perspectiva relevante. Noyce não apresenta uma trama convencional; ele entrelaça subtramas que exploram as vidas de dois personagens, ambos marcados por tragédias pessoais, mas unidos na busca pela resolução de um mistério sombrio e cativante.

O roteiro de Jeremy Iacone não apenas foca na trama principal, mas coloca o peso da narrativa nas figuras centrais da história. É evidente que o foco está nos protagonistas, e o filme consegue despertar no público uma empatia natural por esses personagens. Não é difícil entender o motivo, já que esses papéis são interpretados por dois dos atores mais carismáticos de Hollywood: Denzel Washington e Angelina Jolie. A química entre eles, inicialmente improvável, se desenvolve de maneira surpreendente.

Washington, um veterano talentoso, já conhecido por sua habilidade de imbuir seus personagens com uma profundidade única, contracena com Jolie, que, na época, era mais conhecida por papéis cultuados, como em “Gia — Fama e Destruição” (1998). Apesar disso, foi em “Garota, Interrompida” (1999) que Jolie realmente se consolidou como uma atriz de peso. Washington, por sua vez, traz à vida o personagem Lincoln Rhyme com uma intensidade silenciosa, e, mesmo confinado a um único cenário devido a uma lesão incapacitante, ele comanda a trama de forma notável. À medida que a personagem de Jolie, Amelia Donaghy, entra em cena, a dinâmica entre os dois começa a se intensificar.

Ainda que ambos sejam policiais, suas histórias parecem inicialmente seguir caminhos distintos. No entanto, o encontro entre eles é inevitável, e logo se torna claro que suas trajetórias foram destinadas a se cruzar. Rhyme, um dos mais respeitados peritos forenses dos Estados Unidos, é chamado para investigar uma série de crimes macabros. Já Amelia, uma patrulheira inicialmente encarregada de crimes menores, se vê obrigada a abandonar sua equipe e formar uma improvável parceria com Rhyme. A interação entre eles revela mais do que um simples relacionamento profissional — a tensão inicial dá lugar a uma conexão mais profunda, e o desenvolvimento dessa parceria é uma das grandes forças do filme.

“O Colecionador de Ossos” se destaca por mais do que apenas sua narrativa policial tradicional. A verdadeira essência do filme está nas nuances do relacionamento entre Rhyme e Amelia, especialmente no subtexto romântico que, embora nunca completamente desenvolvido, permeia toda a trama. Noyce habilmente utiliza o olhar melancólico de Rhyme sobre sua própria existência como uma metáfora para as lutas internas de todos os seres humanos.

Na cena final, em meio a uma celebração de Natal, a presença de Amelia ao lado de Rhyme sugere que, apesar de todas as adversidades, há esperança e redenção. O filme termina com uma nota de leveza, implicando que, mesmo diante dos maiores desafios, o ser humano pode encontrar consolo e camaradagem.


Filme: O Colecionador de Ossos
Direção: Phillip Noyce
Ano: 1999
Gêneros: Thriller/Drama/Ação
Nota: 8/10