Mistura de comédia e drama, filme de Noah Baumbach vale mais que uma sessão de terapia, na Netflix Divulgação / Sony Pictures

Mistura de comédia e drama, filme de Noah Baumbach vale mais que uma sessão de terapia, na Netflix

Incessantemente, relacionamentos amorosos — sejam namoros, casamentos, separações ou divórcios — ocupam o imaginário dos cineastas. Esses artistas se inspiram na sociedade contemporânea, nas observações de suas experiências pessoais, nas vivências de pessoas próximas e nas nuances da vida cotidiana para delinear o que caracteriza um relacionamento amoroso. O filme “A Lula e a Baleia”, dirigido por Noah Baumbach, figura como uma análise profunda das complexidades da vida privada da classe média americana.

Com as devidas considerações, a obra se aplica também a casais de todos os estratos sociais ao redor do mundo, demonstrando a universalidade de suas reflexões. Como filho do teórico literário Jonathan Baumbach e da crítica de cinema Georgia Brown, Noah canaliza em sua narrativa as aflições de dois intelectuais cujos caminhos se encontram em direções opostas. Enquanto um tenta manter o resto de sua prestígio, a outra avança de maneira quase descuidada, e ambos acabam sucumbindo à vaidade, observando impassíveis a desintegração de sua relação.

Baumbach constrói um enredo com uma intensidade que aumenta progressivamente, focando nas pequenas desgraças que se tornam parte do cotidiano da família. Embora os personagens ainda consigam sobreviver, todos parecem se deleitar em seu papel de mártires.

Logo no início do filme, o diretor estabelece claramente as posições de seus quatro protagonistas. Bernard Berkman e sua esposa, Joan, estão em uma partida de tênis com seus filhos, Frank e Walt. Mesmo nesse momento aparentemente inocente, já surgem indícios do que ocorrerá ao longo dos oitenta minutos seguintes: um casal, consumido pela mágoa, expressa seus ressentimentos na presença de duas crianças que deveriam estar protegidas. Bernard, interpretado por Jeff Daniels, alterna entre um despotismo silencioso e uma psicopatia evidente, enquanto Laura Linney dá vida a Joan, demonstrando uma gama de expressões sutis que, quando revisadas, revelam o que motiva sua leviandade.

Durante um jantar, Walt questiona Bernard sobre “Uma História em Duas Cidades” de Charles Dickens, ao que Bernard responde que se trata de uma de suas obras “menores”, característica de uma fase mais comercial. A piada que poderia surgir a partir do comentário sobre um dos autores mais lidos de seu tempo se dissolve diante do diagnóstico involuntário e preciso que o filho faz sobre o casamento de seus pais.

A interação entre Owen Kline e Jesse Eisenberg gera uma rivalidade saborosa, refletindo a tensão familiar. O olhar agudo de Frank faz com que Ivan, o professor de tênis interpretado por William Baldwin, se aproxime da dinâmica dos Berkman, inclusive ligando para Joan em momentos inoportunos, enquanto ela se dedica a um texto que pretende enviar à The New Yorker. Neste contexto, Bernard interrompe a conversa ao flagrar Joan quase atendendo a ligação, marcando um ponto central da narrativa.

A separação de Bernard e Joan é inevitável, levando os meninos a um estado de confusão que ultrapassa o que seria razoável em situações de trauma. Por um lado, os dilemas de Eisenberg, que precisa amadurecer à força, surgem de maneira autêntica; por outro, as dificuldades de Frank, que enfrenta um distúrbio peculiar que o leva ao Conselho Disciplinar da escola, parecem exageradas e apelativas. As duas garotas que entram na trama o fazem por meio de relacionamentos com homens, mas mesmo assim, Anna Paquin e Halley Feiffer acrescentam uma camada de desordem, representando Lili, a estudante com quem Bernard teve um caso, e Sophie, a namorada de Walt, que replica a opressão que o pai impôs a Joan.

A cena final do filme reforça o tom absurdo de “A Lula e a Baleia”, com cada personagem assumindo o papel que lhe é devido na hierarquia familiar. Embora menores que os cetáceos, os cefalópodes provam ser criaturas formidáveis e perigosas, assim como as dinâmicas que Baumbach explora em sua narrativa.


Filme: A Lula e a Baleia
Direção: Noah Baumbach
Ano: 2005
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 8/10