Inspirado em clássico de Hermann Hesse e Yorgos Lanthimos, suspense na Netflix é diferente de tudo que você já viu Divulgação / Focus Features

Inspirado em clássico de Hermann Hesse e Yorgos Lanthimos, suspense na Netflix é diferente de tudo que você já viu

Se você já viu “O Lagosta”, de Yorgos Lanthimos, certamente se recorda de uma sociedade que obriga seus membros a seguir padrões rígidos, prometendo que isso os conduzirá a uma vida plena, dentro dos moldes convencionais de sucesso. Esse conceito é reexplorado em “O Lobo”, filme dirigido por Nathalie Biancheri, que busca inspiração na obra clássica “O Lobo da Estepe”, de Hermann Hesse. Aqui, como no longa de Lanthimos, a trama desenrola-se em torno de uma crítica afiada à imposição de normas sociais e ao que consideramos ser a verdadeira felicidade. As duas produções examinam o conflito entre a essência humana e sua parte mais instintiva, questionando a conformidade e a identidade pessoal em um mundo que tenta padronizar tudo e todos.

Em “O Lobo”, somos apresentados a Jacob, interpretado por George MacKay, um jovem que acredita, profundamente, ser um lobo aprisionado em um corpo humano. Diagnósticos como o dele são vistos como distúrbios, e, assim, ele acaba sendo internado em uma clínica destinada a “curar” jovens com transtornos semelhantes. No entanto, as práticas usadas pela instituição são brutais e forçam o espectador a refletir sobre questões complexas: o que realmente significa ser normal? Quem define esses padrões, e até onde podemos ir para ajustarmos alguém a eles?

Jacob trava uma batalha interna para suprimir seus instintos selvagens, um esforço que o deixa emocionalmente isolado e em constante sofrimento. A repressão de sua verdadeira identidade é, para ele, uma prisão. Sua vida muda, no entanto, ao conhecer Wildcat (Lily-Rose Depp), uma jovem que se identifica como uma felina selvagem. A conexão entre os dois é imediata, tanto em nível emocional quanto físico, e os laços que formam ajudam ambos a encontrar um ponto de paz em meio ao caos interno que vivem.

Porém, como em muitas histórias de amor proibido, o relacionamento entre Jacob e Wildcat é imediatamente rechaçado pelas rígidas normas da clínica. À medida que as regras se tornam cada vez mais sufocantes, o casal planeja uma fuga em busca de um espaço onde possam viver livremente e em paz, longe das restrições que os acorrentam.

Mas o filme “Wolf”, disponível na Netflix, vai muito além de uma simples história sobre um rapaz que acredita ser um lobo. A narrativa é densa e multifacetada, permitindo diferentes interpretações, dependendo do olhar que o espectador lança sobre ela. A questão central não é se Jacob é realmente um lobo, mas se devemos ou não nos moldar àquilo que é considerado aceitável. É fácil seguir padrões e ser aceito, mas para aqueles que fogem à norma, a realidade é repleta de desafios. Esse dilema reflete vivências reais, principalmente para grupos marginalizados, como a comunidade LGBTQ+, que frequentemente se vê pressionada a adotar um conceito de “normalidade” que não condiz com sua verdade interna.

Nesse sentido, a mensagem do filme é clara: muitos de nós, em diferentes momentos, nos sentimos aprisionados em corpos ou identidades que não nos representam por completo, enquanto as expectativas sociais nos pressionam a conformar. Mas será que essa “normalidade” existe? Ou ela é apenas um conceito fabricado por forças históricas, políticas e religiosas que nos moldaram ao longo do tempo?

Embora “O Lobo” possa não ser um filme projetado para agradar ao público em geral, ele oferece uma reflexão profunda e necessária sobre a busca pela autêntica felicidade. Não se trata de seguir o que é imposto ou de ser aceito socialmente, mas de encontrar e acolher nossa verdadeira essência, ainda que isso signifique viver fora dos padrões. Afinal, a liberdade está em ser fiel a si mesmo, não em cumprir expectativas alheias.

Esse trabalho de Biancheri, embora de abordagem não comercial, ilustra perfeitamente o quão dolorosa e necessária pode ser a jornada para a aceitação de quem realmente somos, mostrando que a verdadeira realização vem de dentro, e não da aprovação externa.


Filme: O Lobo
Direção: Nathalie Biancheri
Ano: 2021
Gênero: Drama/Suspense
Nota: 8

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.