A ilha de Chipre, situada no leste do Mediterrâneo, é um ponto geograficamente estratégico, cercado por países como Turquia, Síria, Líbano, Israel, Egito e Grécia. Apesar da proximidade com o Oriente Médio, Chipre faz parte da Europa, sendo membro da União Europeia, o que reflete a fusão de diferentes culturas em sua história. Nesse contexto multifacetado, a cineasta Stelana Kliris emerge, surpreendendo o público com seu segundo longa-metragem, “Mergulhando no Amor”. Embora o título possa sugerir uma comédia romântica convencional, o filme desafia expectativas e se revela como uma narrativa mais introspectiva e sombria.
As paisagens deslumbrantes de Chipre servem como pano de fundo para uma história que vai além da superfície. Harry Connick Jr. interpreta John Allman, um astro do rock que, aos cinquenta anos, decide se retirar do mundo em uma propriedade isolada no Mediterrâneo. Sem informar seu agente ou amigos, John busca refúgio em uma casa onde viveu momentos importantes de sua vida, tentando se reconectar com o passado, particularmente com Sia (Agni Scott), a musa que inspirou suas canções mais icônicas. No entanto, o que começa como uma tentativa de fuga de um coração partido, logo se transforma em uma jornada emocional densa e cheia de camadas.
Já na cena inicial, o espectador é confrontado com um evento perturbador: John testemunha um suicídio, incapaz de impedir que um homem pule de um penhasco. Este acontecimento inesperado o leva a descobrir que o lugar onde escolheu se isolar é conhecido por ser palco de inúmeras tragédias similares. O isolamento, que inicialmente parecia um espaço de cura, é rapidamente contaminado pela presença constante da morte, deixando uma marca indelével em sua tentativa de encontrar paz.
A reação de John a essa descoberta não é motivada pela compaixão ou pelo desejo de homenagear as vítimas, mas sim por um interesse egoísta de proteger sua própria tranquilidade. Ao construir uma cerca em torno do penhasco, ele tenta manter o mundo exterior, e suas dores, à distância. Essa atitude desapaixonada sublinha sua desconexão emocional, uma extensão de sua incapacidade de lidar com a perda de Sia, que continua a assombrá-lo.
Conforme a trama avança, John se depara com uma jovem musicista local, cujo talento é inegável, mas que parece destinada a viver à sombra da simplicidade da vila onde nasceu. Ela, que trabalha como entregadora no mercado local, representa um espelho para John, relembrando-o das oportunidades e do vigor da juventude, ao mesmo tempo em que enfatiza as perdas que o tempo inevitavelmente impõe.
O filme constrói, então, um triângulo amoroso que, embora possua elementos familiares, é intensificado pelas tradições conservadoras da sociedade cipriota e pelos conflitos internos dos personagens. O roteiro equilibra o melodrama profundo com momentos de ternura, utilizando as paisagens e a cultura local para criar um ambiente imersivo, onde romance e introspecção caminham lado a lado.
A obra de Kliris se destaca por não seguir os moldes típicos das comédias românticas. “Mergulhando no Amor” é, na verdade, um convite à reflexão, tocando em temas universais como a solidão, o luto e o desejo de reviver um passado idealizado. O filme vai além da narrativa simplista de um romance, propondo uma meditação sobre as marcas invisíveis que o tempo e as perdas deixam em nós, e como, em meio a isso, tentamos encontrar significado.
Essa abordagem, inovadora para o gênero, coloca a cineasta em uma posição de destaque, mostrando que é possível criar algo novo e profundo mesmo dentro de um formato que, à primeira vista, parece previsível. “Mergulhando no Amor” não é apenas uma história de reconciliação amorosa, mas uma exploração cuidadosa das complexidades emocionais humanas, onde o verdadeiro mergulho é dentro de si mesmo.
Filme: Mergulhando no Amor
Direção: Stelana Kliris
Ano: 2024
Gênero: Comédia/Romance/Drama
Nota: 8