Como nenhum filme que você já viu: comédia inteligente, fascinante e deliciosamente errada — acaba de chegar à Netflix Divulgação / A24

Como nenhum filme que você já viu: comédia inteligente, fascinante e deliciosamente errada — acaba de chegar à Netflix

Tipos a exemplo de Mikey Saber, um ex-astro da indústria do entretenimento adulto, são a fina flor do lixo branco da América. Para corroborar tal ideia, Sean S. Baker, o diretor do ótimo “Red Rocket”, crava seu filme com passagens da primeira campanha de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, em 2016 — passados oito anos, aquele foguete vermelho está de volta, depois de ter sido defenestrado nas urnas pela maioria, que agora, parece, vai dar-lhe uma segunda chance, graças à  incompetência galopante do democrata Joe Biden. Mikey construiu um, vá lá, renome invejável como garanhão americano e deveria ter juntado uma bolada, mas se vê obrigado a voltar para Texas City, um balneário de frente para o golfo do México, dependendo da boa vontade da ex-mulher, Lexi, e da mãe dela. É a partir desse ponto que Baker começa a mover seu filme, dispondo do caudaloso roteiro escrito com Chris Bergoch, e então nasce um épico pós-moderno sobre fracassados e malandros, uma praga acima do rio Grande ou em qualquer outra terra sob o sol.

Depois de ser aceito, maltrapilho e cheio de hematomas de uma surra, Mikey peregrina em busca de colocação no comércio local, até que revela seu ramo de atuação pelos últimos 25 anos, certo de que isso não implicará nenhuma consequência. Simon Rex elabora bem esse momento de humor involuntário de seu personagem, e a atmosfera muda radicalmente quando ele se oferece para ser um dos traficantes de maconha de Leondria, a decana do bairro vivida por Judy Hill. Menos por confiar nele do que vê-lo fora de sua propriedade, ela concorda, e em algumas semanas Mikey acumula mais de três mil dólares, que vai depositando sob o colchão da cama de Lexi — ele dorme no sofá até poder convencê-la de que não seria mal reviverem os velhos tempos de quando em quando. Bree Elrod rouba a cena em algumas ocasiões como uma escrava afetiva do ex-marido, que, subentende-se, a levou para a indústria pornográfica pouco depois de eles se envolverem a sério. E então “Red Rocket” se afunda na baixaria de vez, sem deixar de ser engraçado. 

Mikey é um Midas às avessas, puxando para o lodo qualquer de quem se aproxima. Lonnifer, o vizinho debiloide de Lexi interpretado por Ethan Darbone, é sem dúvida o mais gravemente prejudicado pela influência nefasta de Mikey, depois de uma reviravolta muito bem-conduzida pela direção segura de Baker. O relacionamento do protagonista com Morango, a caixa menor de idade da loja de rosquinhas que ele passa a frequentar, é, contudo, a cereja desse bolo azedo. O diretor esmiúça todas as camadas desse namoro fora da lei, do encantamento inicial da garota que evolui para um jogo de vaidades e sexo sem medida, à decepção, mais nossa que dela, com o que Mikey pretendia fazer com aquela carinha de anjo caído. A anti-heroína de Suzanna Son escapa de ser uma nova Lexi, mas Mikey paga com juros seu atrevimento e sua indiferença para com os sentimentos de seus conterrâneos, porque no Texas não tem disso, não. Tudo ao som de “Bye Bye Bye” (2000), aquela balada pegajosa do ‘N Sync.


Filme: Red Rocket
Direção: Sean S. Baker
Ano: 2021
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 9/10