Em 2014, Bernard Jordan (1925-2015), um veterano da Marinha britânica de 89 anos, deu o que falar. Morador de uma casa de longa permanência em Hove, no sudeste da Inglaterra, Jordan atravessou o canal da Mancha com destino ao outro lado, voltando sete décadas no tempo numa aventura proustiana que demandou-lhe muito mais que coragem e um senso de autopreservação adormecido até aquele instante. “A Grande Fuga” é um recorte poético, assertivo e algo doloroso da última viagem de um marujo que nunca se arrependeu de suas escolhas, mas que sofria com o balanço do mar. Até que o protagonista se lance a sua própria odisseia, o diretor Oliver Parker ilumina outras faces de Jordan, concentrando-se também na parceria que sustenta toda a história, um casamento maduro, acima de qualquer tola vaidade, no qual os planos mais íntimos são dos dois.
Comparecer às celebrações pelo 70º aniversário do desembarque das tropas aliadas na Normandia, em 6 de junho de 1944, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), é apenas um (nobre) pretexto para que Jordan reencontre-se consigo mesmo. O roteiro de William Ivory emprega todas as energias quanto a mostrar o Dia D de um velho soldado sententa anos mais tarde, ainda que tenha de fazer algumas concessões ao politicamente correto. Fica-se sabendo que a excursão ao noroeste da França era uma iniciativa do próprio asilo a que Jordan fora convidado, porém uma falha na organização o deixara de fora. Este é um dado que o filme sente necessidade de levantar na intenção de evitar processos, e malgrado perca-se muito do sentido quanto a corroborar a alcunha de O Grande Fugitivo com que Jordan passara a ser chamado pela imprensa inglesa, Michael Caine, acertadamente, agarra-se a isso, empurrando a trama para duas frentes opostas, mas complementares.
A tal debandada furtiva implica deixar para trás Irene, a companheira de toda a vida por quem apaixonara-se na guerra, mas Parker guarda o pulo do gato para o última sequência. Enquanto isso, Jordan avança para a Normandia num navio do Marinha real onde conhece Arthur Howard-Johnson, o outro velho guerreiro interpretado por John Standing, que oferece-lhe uma vaga pelo resto da estada em troca de alguns momentos nos quais comete a grande inconfidência da história. A presença de Arthur desencadeia a série de flashbacks em que Jordan surge na pele de Will Fletcher e Irene é Laura Marcus, não obstante a cena em que os dois trocam o primeiro beijo esteja rodeada pelas imagens de batalhas em alto mar. Em terra firme, Glenda Jackson (1936-2023) proporciona um ou outro providencial respiro cômico ao lado de Adele, a enfermeira, de Danielle Vitalis, uma grata surpresa.
Mesmo com o desfecho fácil, tépido e artificioso ao longo do qual jornalistas de toda a Europa aguardam por Jordan na entrada do asilo, este foi um canto do cisne digno da majestade de Jackson, falecida meses antes da estreia. Bernard Jordan morreu seis meses depois de sua grande fuga. Ao fim de uma semana, Irene foi ao seu encontro.
Filme: A Grande Fuga
Direção: Oliver Parker
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 9/10