A maneira como alguém viveu suas paixões ao longo da vida revela muito sobre sua essência. Quando o fervor amoroso é profundo, o amor floresce, não de maneira tardia, mas espontânea, como uma rosa em um campo seco, subitamente alimentada pela chuva após uma longa estiagem. Se esse amor é genuíno, surgem sinais de reciprocidade — mesmo em tempos de comunicação digital e sentimentos rápidos e tóxicos — como cartas, que resistem à efemeridade da era moderna.
“A Última Carta de Amor”, dirigido por Augustine Frizzell e baseado no best-seller de Jojo Moyes, gira em torno de uma troca de cartas românticas que serve como alicerce para uma história que, embora previsível em alguns momentos, mantém sua elegância e propósito. Frizzell consegue extrair do romance a medida exata de desespero e solidão vividos por uma mulher que, ao se perder de si mesma, ainda mantém a esperança de que sua vida não se resume à melancolia sem cor que tenta engoli-la.
A narrativa intercala passado e presente, conectando duas personagens femininas distintas: uma do passado, em uma busca pelo verdadeiro amor, e outra do presente, com uma visão mais cética e racional do romance. A interação entre elas vai pouco a pouco alterando suas percepções do mundo, enquanto segredos que ainda estavam escondidos começam a vir à tona.
O roteiro, assinado por Moyes, Esta Spalding e Nick Payne, acompanha duas protagonistas: Jennifer Stirling, uma socialite dos anos 1960 que tenta retomar sua vida após um acidente que a deixou sem memória, e Ellie Haworth, uma jornalista moderna que encontra uma carta de amor perdida nos arquivos do jornal em que trabalha. Ellie, vivida por Felicity Jones, se depara com a tarefa de escrever o obituário de um editor recém-falecido, o que a leva a explorar o arquivo do jornal, onde encontra uma carta perdida em meio a papéis amontoados. A descoberta da correspondência, potencialmente de décadas atrás, não desperta nela muito interesse, pelo menos a princípio.
Essa é a deixa para que Frizzell leve o público a uma viagem aos anos 1960, quando Jennifer Stirling mantinha correspondências apaixonadas com alguém que se identificava apenas como “Bota”. Apesar de parecer uma esposa devota, logo fica claro que o destinatário de suas palavras românticas não era seu marido, Lawrence, vivido por Joe Alwyn, mas sim outro homem. A partir daí, a diretora constrói uma trama que sugere um coração dividido, aflito e em busca de redenção.
Embora nunca seja explicado o motivo do acidente que mudou a vida de Jennifer, a diretora compensa eventuais lacunas na narrativa com uma forte estética visual. Shailene Woodley, que interpreta Jennifer, é apresentada de maneira cativante, vestindo trajes idealizados por Anna Robbins, inspirados no estilo clássico de Jacqueline Kennedy. Callum Turner aparece como Anthony O’Hare, um jornalista estrangeiro cuja presença preenche as lacunas emocionais deixadas pelas constantes viagens de negócios do marido de Jennifer.
Esse enredo sobre as frustrações emocionais de mulheres dos anos 60, muitas vezes explorado na literatura e no cinema, poderia parecer repetitivo, mas Frizzell encontra maneiras de mantê-lo interessante, alternando o foco entre o passado e o presente. No núcleo contemporâneo, a relação entre Ellie e Rory, o arquivista vivido por Nabhaan Rizwan, adiciona uma nova camada de tensão romântica à trama, elevando o enredo para além do previsível.
“A Última Carta de Amor” é, essencialmente, uma história sobre a persistência do amor em tempos e circunstâncias distintos. E, embora a história se repita de maneira familiar, ela nunca deixa de explorar as profundezas do afeto humano e da busca por conexão. O filme não apenas fala sobre amor, mas nos faz refletir sobre suas diferentes formas, suas perdas e suas redescobertas.
Filme: A Última Carta de Amor
Direção: Augustine Frizzell
Ano: 2021
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 8/10