Cinco anos após o impacto causado pelo primeiro filme, “O Poço 2” chega com uma proposta de continuação que amplia e aprofunda os temas centrais do original, mantendo a premissa distópica, mas trazendo novos elementos para enriquecer o enredo. A trama desta vez se passa antes dos eventos vividos por Goreng, protagonista do primeiro filme, e foca na história de Perempuán, uma artista que, ao causar acidentalmente a morte do filho de seu namorado, encontra-se devastada pela culpa. Mesmo que a justiça tenha considerado o incidente como um acidente e não tenha imposto punição, o peso do remorso acaba dominando a vida da personagem. Sua carreira artística floresce após a tragédia, com suas obras ganhando mais valor, o que aumenta ainda mais sua sensação de impotência e arrependimento. Em busca de redenção e de uma maneira de aliviar a dor, Perempuán toma uma decisão extrema: descer voluntariamente no poço.
O poço, um símbolo já estabelecido como crítica à desigualdade social, ganha uma nova camada de significado nesta sequência. Galder Gaztelu-Urrutia, que retorna como diretor e agora também coautor do roteiro, enriquece a narrativa com uma crítica à opressão religiosa. No primeiro filme, o poço e sua mecânica de distribuição de alimentos eram uma metáfora clara da pirâmide social e das desigualdades de classe. No entanto, em “O Poço 2”, essa ideia é expandida para incluir a dominação ideológica, principalmente religiosa. A presença de grupos como os “Leais” e os “Ungidos” insere uma nova dimensão na história, onde o fanatismo e a manipulação da fé são utilizados como formas de controle sobre os recursos e, consequentemente, sobre as pessoas.
O conceito central permanece: o poço, com seus 333 níveis, continua a abrigar dois prisioneiros por andar, enquanto a plataforma de alimentos desce, levando comida para os ocupantes. Quanto mais alta a posição, mais abundante e limpa é a comida, e quanto mais baixa, mais escassa e suja ela se torna. Mas agora, além de representar a desigualdade social, o sistema de distribuição é controlado por crenças religiosas distorcidas. O filme convida o espectador a refletir sobre como o poder, seja econômico ou espiritual, é exercido de forma opressiva por aqueles no topo da estrutura, enquanto os demais lutam pela sobrevivência com o que lhes resta.
Galder Gaztelu-Urrutia traz uma densidade filosófica maior à continuação, especialmente nos diálogos carregados de simbolismos e referências à manipulação da fé. As discussões propostas pelo filme abordam a exploração da espiritualidade como uma ferramenta de dominação, sugerindo que os dogmas e as doutrinas podem ser usados para perpetuar sistemas de poder injustos. Ao longo do filme, os personagens são confrontados com questões morais profundas, forçando o público a participar dessa reflexão, construindo suas próprias interpretações sobre culpa, redenção e o impacto das instituições sobre a vida individual.
Além da crítica religiosa, “O Poço 2” também oferece uma experiência visual e emocional intensa. A ambientação claustrofóbica, característica marcante do primeiro filme, retorna com força total, intensificando o clima de opressão. No entanto, a nova abordagem do enredo e o foco em questões ideológicas tornam a sequência não apenas uma continuação digna, mas também uma expansão das discussões iniciadas anteriormente. A estrutura do filme leva o espectador a questionar o papel da fé na sociedade e como ela pode ser manipulada para manter estruturas de poder e submissão.
Com essa combinação de elementos, “O Poço 2” não apenas revisita os temas do primeiro filme, mas os amplifica. O horror psicológico se mistura à crítica social e religiosa, proporcionando uma experiência cinematográfica que desafia o espectador a ir além da superfície. A obra continua a ser inquietante e provocadora, reforçando o terror da sobrevivência enquanto expande os questionamentos sobre moralidade, culpa, e os sistemas que moldam nossa existência.
Filme: O Poço 2
Direção: Galder Gaztelu-Urrutia
Ano: 2024
Gênero: Horror / Ficção Científica
Nota: 8/10