A maior história de amor do cinema contemporâneo está na Netflix: se já viu, precisa rever; se ainda não viu, precisa ver Divulgação / Focus Features

A maior história de amor do cinema contemporâneo está na Netflix: se já viu, precisa rever; se ainda não viu, precisa ver

Os sentimentos que um dia floresceram, mas que hoje estão mutilados, perdidos ou extintos, parecem merecer um refúgio próprio. O amor, que frequentemente se revela um enigma dentro da vida, muitas vezes traz consigo uma miríade de outras emoções, muitas delas completamente desordenadas e incongruentes. Duas pessoas apaixonadas podem facilmente desperdiçar horas em debates acalorados, onde cada um defende suas certezas com veemência, como se o relacionamento fosse uma competição de opiniões subjetivas e incertas. Porém, quando a relação chega ao fim, qualquer ilusão de racionalidade também desaparece, demonstrando que o amor, para subsistir, só precisa dele mesmo. E ainda que possa ser finito, já que a própria existência humana tem um prazo, ele deixa rastros, boas ou más lembranças, dependendo do ponto de vista de quem as carrega. Muitos preferem esquecer, tratando o amor como um passatempo efêmero, que só faz sentido se mantido na leveza. Tal visão é geralmente adotada por aqueles que não compreendem a profundidade desse sentimento, tampouco são dignos dele.

A obra “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, ao explorar a ideia de um amor frustrado e carregado de dor para um dos envolvidos, se destaca como uma das criações mais bem-sucedidas em abordar a complexidade de um relacionamento que parecia promissor. Lançado em 2004, o filme do diretor Michel Gondry continua a conquistar o público e a crítica após quase duas décadas. O sucesso da produção reside em seu conteúdo artístico singular, que permite abordagens profundas e filosóficas, fazendo com que novos aspectos sejam descobertos a cada nova exibição. O roteiro, de autoria de Charlie Kaufman, que já havia impressionado com “Quero Ser John Malkovich”, investiga mais uma vez a mente humana, desta vez mergulhando ainda mais no território do fantástico. Ao contrário de se apoiar rigidamente em explicações científicas, o filme apresenta sua trama com toques de surrealismo, sem perder de vista a necessidade de alguma lógica interna para sustentar sua narrativa.

Joel Barish, interpretado de forma melancólica e introspectiva, embarca em um trem onde cruza com Clementine, que se aproxima com um comentário casual, sugerindo que já se conhecem. Joel, cauteloso, percebe as intenções nada inocentes dela, e, embora relutante, cede ao flerte. A personagem de Kate Winslet não está apenas brincando com as expectativas; Joel e Clementine já foram um casal, mas, após o colapso da relação, decidiram apagar mutuamente as memórias de seu tempo juntos. O filme então revela que as memórias, os pequenos gestos de afeto e até os momentos de tensão entre eles foram suprimidos por um procedimento inovador, prometendo libertá-los da dor do término. No entanto, essa tentativa de apagar o passado não é tão simples quanto parece.

O diretor enfatiza a complexidade do enredo ao retratar os técnicos responsáveis pelo procedimento, Stan e Mary, que, apesar de serem meros operadores da tecnologia, parecem ser os únicos a achar que o processo foi um sucesso. Mas, à medida que a trama avança, o surgimento de um reviravolta inesperada dá ao filme um novo ritmo, conduzido pelo personagem do Dr. Mierzwiak, interpretado por Tom Wilkinson, que busca resolver os problemas desencadeados pela manipulação das memórias. Narrativa e cronologia propositalmente confusas dão forma à desordem mental de Joel, que, ao tentar se desvencilhar das lembranças, acaba se perdendo em seus próprios desejos. Kaufman e Gondry, de forma engenhosa, questionam a natureza líquida dos amores modernos, sugerindo que o que mantém o amor vivo são as memórias compartilhadas.


Filme: Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças
Direção: Michel Gondry
Ano: 2004
Gêneros: Ficção científica/Romance
Nota: 9/10