Filme vencedor do Oscar e considerado a melhor animação da história do cinema está na Netflix Divulgação / Studio Ghibli

Filme vencedor do Oscar e considerado a melhor animação da história do cinema está na Netflix

Quando se fala de filmes que tratam das complexidades da infância, há uma tendência a rotular essas produções como encantadoras, principalmente quando animadas. Contudo, essa abordagem pode ser precipitada, já que o universo infantil é simultaneamente repleto de sonhos e enfrentamentos com a realidade dura.

O exemplo de “A Viagem de Chihiro”, dirigido por Hayao Miyazaki, ilustra bem essa dicotomia. Lançado em 2001, mas amplamente distribuído fora do Japão dois anos depois, o filme une o traço artesanal do animador japonês ao uso limitado de tecnologias da época. Embora esses recursos estejam hoje ultrapassados, a obra permanece impactante, uma genuína expressão artística que transcende as barreiras do tempo e a evolução técnica. Durante o auge de sua popularidade, Miyazaki e o Studio Ghibli enfrentaram duras comparações com as gigantes Disney e Pixar. Muitos críticos, talvez influenciados pelo peso comercial dessas corporações, apontavam defeitos nas produções Ghibli.

O diretor, no entanto, manteve sua autenticidade, navegando por um mercado que marginalizava estúdios menores e forçava concessões em prol das demandas comerciais. Ao contrário de muitos outros cineastas, que sucumbiram à pasteurização de seus trabalhos, Miyazaki permaneceu fiel à sua visão artística. “A Viagem de Chihiro” é um exemplo claro dessa integridade, elevando o nível de suas alegorias sobre os desafios da vida e a necessidade de adaptação em circunstâncias adversas, algo que também pode ser visto em “Princesa Mononoke”.

Em ambos os filmes, o diretor se apropria de elementos típicos de narrativas heroicas e histórias de amadurecimento. É possível notar influências de obras literárias icônicas, como “A Odisseia” de Homero e “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carroll, mas Miyazaki consegue imprimir sua marca pessoal, criando algo que é exclusivamente seu. A história começa com uma protagonista de 10 anos, cuja visão de mundo gira em torno de si mesma, um reflexo comum para crianças dessa idade. Isso cria um paralelo com Alice, embora Chihiro tenha uma personalidade mais forte e seja moldada por sua posição como filha única de uma família rica. Ela se vê abruptamente arrancada de sua vida confortável quando seus pais decidem se mudar, o que marca o fim de sua infância de forma brusca e dolorosa.

Ao longo da jornada, os pais se perdem e levam a família para um túnel misterioso, que conduz a um vilarejo aparentemente deserto. Ignorando os sinais de alerta, eles entram em um restaurante e começam a se banquetear, enquanto Chihiro encontra Haku, um garoto que a aconselha a fugir. Contudo, ao retornar, ela se depara com uma realidade transformada: seus pais não estão mais presentes da mesma maneira. Assim, começa sua trajetória de sobrevivência em um mundo sobrenatural, onde ela deve enfrentar sozinha desafios inimagináveis e buscar o retorno de sua antiga vida.

Nesse ponto, o filme se aprofunda no conceito da protagonista isolada, que deve se adaptar a um ambiente hostil dominado por espíritos e deuses. A jovem é forçada a trabalhar em um balneário espiritual gerido pela yubaba Zeniba, uma bruxa que, embora severa, também carrega traços de simpatia em sua relação com o bebê Boh. Com a ajuda de Haku e Kamaji, um híbrido de homem e aranha, Chihiro tenta encontrar uma forma de libertar seus pais e restaurar sua vida normal. Ao longo de mais de duas horas, o filme apresenta uma rica sequência de eventos que exige atenção do público, oferecendo lições valiosas disfarçadas em meio à fantasia. A beleza gráfica da obra é ressaltada nas cenas que exploram a interação entre céu e mar, criando momentos que deslumbram pela perfeição.

Mesmo após duas décadas, “A Viagem de Chihiro” continua a influenciar animadores ao redor do mundo, como os cineastas chineses Xuan Liang e Chun Zhang, que criaram “Big Fish e Begônia” inspirados na obra-prima de Miyazaki. Embora possa ter sido ofuscado pela tecnologia e pelas tendências do mercado, o filme mantém sua relevância e deve ser apreciado por aqueles que valorizam a profundidade das narrativas orientais. Trata-se de um filme que merece ser revisitado várias vezes ao longo da vida, uma verdadeira joia da animação.


Filme: A Viagem de Chihiro
Direção: Hayao Miyazaki
Ano: 2001
Gêneros: Fantasia/Aventura
Nota: 9/10