Diabolicamente engraçado e encantador: o filme na Netflix que você vai querer ver mais de uma vez Divulgação / Alternate Ending Studios

Diabolicamente engraçado e encantador: o filme na Netflix que você vai querer ver mais de uma vez

Um homem de hábitos solitários e avesso a interações humanas começa a se confrontar com a própria insatisfação. Embora não seja um herói, nada o atinge profundamente — seja física ou emocionalmente — até que dois acontecimentos imprevistos e indesejáveis começam a abalar suas certezas. Com isso, ele se transforma em uma pessoa comum, vulnerável às mesmas angústias que tanto despreza. Até então, ele parecia inabalável, e mesmo após as mudanças, seu sarcasmo, ceticismo e desdém por tudo o que os outros valorizam permanecem como um escudo. Ser educado e gentil é um esforço quase insuportável para ele, e ele tampouco espera gentileza em troca. Seu único desejo era viver longe da “banal” humanidade, ignorando as ilusões de uma mulher que, por circunstâncias inusitadas, se aproxima dele. No entanto, mesmo nesse campo ele acaba cedendo, pressionado pela inesperada reviravolta que a vida lhe impõe. À medida que os desafios se acumulam, ele é forçado a encontrar forças nas fraquezas que nunca pensou possuir, reagindo de maneiras que surpreendem até a si mesmo. Essas transformações o atordoam e o conduzem a um novo e desconhecido caminho.

O protagonista de “He Never Died” é exatamente esse homem: confuso, oscilando entre preservar sua misantropia e ceder à pressão das novas circunstâncias. O diretor Jason Krawczyk constrói esse personagem com nuances, evitando clichês e abordando-o com frescor. O Jack interpretado por Henry Rollins é um homem mais velho, mas ainda cheio de vitalidade, cuja vida é transformada de maneira abrupta e sem seu consentimento. Ele está acostumado a uma rotina assustadoramente monótona, onde a solidão é sua única companhia. Contudo, de repente, ele se vê forçado a abandonar sua quietude e a reativar seus instintos mais básicos. A contragosto, Jack descobre que não está tão só quanto imaginava, nem mesmo em seu mundo particular. Sem qualquer aviso, a vida lhe apresenta Andrea, uma filha de 19 anos, vivida por Jordan Todosey. Essa presença inesperada mexe com ele de forma inexplicável, ainda que não o faça desistir de sua obstinada resistência a qualquer coisa que interfira em seu cotidiano controlado e suas manias profundamente enraizadas.

A destreza de Krawczyk se revela na forma como ele penetra nas fissuras do caráter de Jack, cujas complexidades são ampliadas pelo fato de Rollins ter sido um dos líderes da icônica banda punk Black Flag. Essa instabilidade, característica do movimento punk, reflete-se no temperamento de Jack, que carrega um passado sombrio, tão denso que nem Cara, a garçonete do restaurante onde ele faz suas refeições frugais, consegue dissipar. Cara, interpretada por Kate Greenhouse, sente-se cada vez mais atraída por esse homem enigmático, sem saber o que pensar quando o vê com Andrea pela primeira vez. Aliviada ao descobrir que eles são pai e filha, a personagem de Greenhouse se torna um elemento crucial na primeira grande virada do enredo. Um pequeno descuido em sua rotina e um desconhecido mal-intencionado manipula a bebida que Cara está prestes a servir ao seu cliente habitual. A partir desse ponto, a vida do eremita convicto começa a se desenrolar de maneiras inesperadas, possivelmente até lhe abrindo uma nova perspectiva de felicidade, ainda que ele próprio não tenha certeza se deseja essa mudança.

Com o desenrolar da trama, o público gradualmente percebe que Jack guarda semelhanças com os personagens de “The Old Guard” (2020), dirigido por Gina Prince-Bythewood, no qual mercenários imortais atravessam séculos de conflitos, desde as Cruzadas até a queda de Constantinopla. Henry Rollins, conhecido por seu estilo politicamente incorreto e por declarações polêmicas — como quando comentou o suicídio de Robin Williams —, traz à tona seu humor ácido e inclemente no papel de Jack. Um dos momentos mais engraçados do filme ocorre quando ele lista suas inúmeras profissões e bicos ao longo de décadas, em uma conversa descontraída com Cara. Essa cena gera uma risada catártica no público, revelando finalmente o caráter de Jack. Seu talento para provocar risadas inusitadas só é superado por sua notável capacidade de sobreviver às mais diversas situações, lidando com bandidos de todos os tipos, tanto deste mundo quanto de outros. Nesses momentos, o sarcasmo dá lugar a uma seriedade implacável, e ele demonstra uma resiliência que parece ser sua verdadeira arma.


Filme: He Never Died
Direção: Jason Krawczyk
Ano: 2015
Gêneros: Terror/Thriller/Comédia
Nota: 9/10