Movido pelas miragens de poder que se sucedem ao longo do caminho, o homem carrega sua cruz, tentando seguir uma linha reta, afastando-se das tentações que, embora sedutoras, apenas apimentam sua existência. Porém, imerso no oceano de frustrações e sonhos despedaçados, ele inevitavelmente se vê prisioneiro de um mundo de aparências frágeis, onde as quimeras que nascem com ele são pouco a pouco sufocadas.
Sua incapacidade de distinguir o que é plausível do que é impossível o torna um ser fundamentalmente perdido, à espera de um salvador que, acredita, surgirá no momento certo para mudar tudo. Enquanto essa redenção não ocorre, a vida não passa de uma sequência de perguntas que fazemos a nós mesmos, algumas carregadas de profundidade, outras simples aborrecimentos. O único meio de interromper esse ciclo é recuperar aquilo que é verdadeiramente valioso e que fomos acumulando ao longo da vida, mas que, por razões diversas, nos afastamos. Essa distância quase sempre vem acompanhada de um custo elevadíssimo.
Vivemos à mercê dos golpes inesperados do destino, que se tornam ainda mais perigosos com o desespero que nós mesmos geramos. Mesmo quando escapamos desses desafios, carregamos cicatrizes que contam a história de nossas vidas, com sucessos que nos iluminam o caminho e fracassos que preferimos enterrar. É essa dualidade, entre o melhor e o pior da natureza humana, que move “O Destino de Haffmann”, o drama dirigido por Fred Cavayé, que consegue extrair potência de premissas aparentemente comuns. A trama, que aborda confiança, honra, deslealdade e traição, revitaliza a peça de Jean-Philippe Daguerre, encenada pela primeira vez em 2016 e vencedora do prestigioso Prêmio Molière.
Em 1941, Paris, ainda envolta em uma atmosfera de tranquilidade, se prepara para enfrentar um de seus maiores pesadelos. A iminência da ocupação nazista se torna cada vez mais real, e os judeus, vindos de todas as partes, são caçados como animais, conforme as ordens de Hitler. O joalheiro mencionado no título é Joseph Haffmann, interpretado com maestria por Daniel Auteuil. Consumido pela angústia, ele é forçado a abandonar seu negócio para sobreviver.
A adaptação de Cavayé e Sarah Kaminsky da obra de Daguerre vai desvendando, com minúcia, os mecanismos brutais empregados pelos nazistas para subjugar os judeus e confiná-los em guetos parisienses, lugares destinados a segregá-los antes de enviá-los aos campos de concentração. Lá, o destino cruel era a morte, seja por inanição, doenças ou o trabalho forçado até a exaustão total, em um dos muitos campos de extermínio da Alemanha nazista.
A interpretação de Auteuil é um espetáculo à parte. Seu sofrimento está impresso em cada expressão, transmitindo o desespero de Haffmann, que, na esperança de um futuro melhor, passa a loja para seu assistente, François Mercier, vivido por Gilles Lellouche. A partir desse ponto, o filme se aprofunda no estudo psicológico desses dois homens.
Haffmann, preso em uma armadilha de sua própria confiança, deposita suas últimas esperanças em Mercier, mas essa dependência gera uma tensão insuportável, prenunciando o desastre inevitável. Mercier, por sua vez, é dominado pela covardia e acaba por transformar sua vida em uma sucessão de tragédias pessoais: seu casamento desmorona, e sua aliança com oficiais nazistas se volta contra ele. No clímax, os papéis se invertem, e Cavayé nos lembra que a sorte, assim como a guerra, é passageira.
Filme: O Destino de Haffmann
Direção: Fred Cavayé
Ano: 2022
Gênero: Drama
Nota: 8/10