“Boyhood: Da Infância à Juventude” apresenta uma façanha rara no cinema, ao conseguir condensar o crescimento de um garoto ao longo de 12 anos em uma única obra de menos de três horas. Dirigido por Richard Linklater, o filme captura, de maneira notável, a transição da infância para a vida adulta de Mason, interpretado por Ellar Coltrane, através de um processo que durou mais de uma década. O orçamento modesto de 4 milhões de dólares multiplicou-se diversas vezes, mas o verdadeiro valor dessa produção vai além das cifras: trata-se de um experimento cinematográfico único, que reflete a obsessão de Linklater em desafiar o tempo.
O diretor já havia demonstrado sua fascinação com a passagem do tempo na trilogia “Antes do Amanhecer” (1995), “Antes do Pôr do Sol” (2004) e “Antes da Meia-Noite” (2013), filmes que acompanham o desenrolar de um relacionamento ao longo dos anos. No entanto, com “Boyhood”, Linklater eleva esse conceito ao extremo, filmando trechos anualmente durante 12 anos para capturar as transformações genuínas de seus personagens. O projeto exigiu um comprometimento extraordinário, tanto da equipe técnica quanto do elenco, sobretudo de Coltrane, que aceitou o desafio de ter sua vida gravada de forma tão abrangente, com todas as consequências que isso poderia trazer.
Coltrane, ao longo do filme, representa uma versão moderna de Ulisses, o herói da mitologia grega, enfrentando sua própria jornada de amadurecimento. Para o jovem ator, isso significou abrir mão de diversas experiências típicas da infância e adolescência, como brincadeiras com amigos e a rotina escolar, em prol do projeto. Com o tempo, Coltrane entendeu que, embora estivesse sacrificando parte de sua juventude, também estava ganhando algo inestimável: a oportunidade de participar de uma obra que retrata o crescimento humano de maneira singular.
Apesar da abordagem inovadora de “Boyhood”, o filme não traz, em seu núcleo, temas inéditos. Há inúmeras obras que exploram as complexas dinâmicas familiares, desde casais em crise até o distanciamento entre pais e filhos. Filmes como “Fanny e Alexander” (1982) e “Cenas de um Casamento” (1974), ambos de Ingmar Bergman, são exemplos contundentes de narrativas que abordam as dores e alegrias das relações familiares. “Anna Kariênina” (1877), de Tolstói, também oferece uma visão profundamente emocional sobre a vida em família e suas desventuras. No entanto, o mérito de Linklater está em sua habilidade de transformar o ordinário em algo extraordinário, usando o cinema como uma ferramenta para refletir sobre a vida e o tempo de forma visceral e autêntica.
O roteiro de “Boyhood” não se preocupa em informar explicitamente a passagem do tempo, o que é uma das características mais marcantes da obra. Os personagens, interpretados por Ethan Hawke e Patricia Arquette, lidam com o envelhecimento de maneira natural, sem apelos dramáticos exagerados, o que confere à narrativa um tom de realismo quase documental. Arquette, que recebeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por sua atuação, entrega uma performance comovente, mostrando as dores e conquistas de uma mãe solteira ao longo dos anos. Já Hawke, como o pai ausente, oferece uma perspectiva mais leve, porém igualmente carregada de significado.
O verdadeiro protagonista, no entanto, é o próprio tempo. Coltrane, que inicia o filme como um menino e o termina como um jovem adulto, passa por transformações que não são apenas físicas, mas também emocionais e psicológicas. Ao observar sua jornada, o público é levado a refletir sobre suas próprias experiências de crescimento e as inevitáveis mudanças que o tempo impõe a todos nós.
Apesar de sua longa duração, o filme mantém o espectador envolvido ao inserir referências culturais e uma trilha sonora cuidadosamente selecionada, que remete a diferentes momentos da cultura pop. A experiência de assistir a “Boyhood” é semelhante a embarcar em uma viagem no tempo, revisitando fases da vida que, de outra forma, poderiam ser esquecidas. Ao fim, a mensagem é clara: o tempo é implacável, mas as memórias e experiências que realmente importam transcendem sua passagem.
Linklater oferece, com “Boyhood”, uma obra que não se limita a contar uma história de amadurecimento; é um retrato da vida em sua forma mais crua, onde os momentos mais simples muitas vezes são os mais significativos. A inovação técnica de filmar ao longo de 12 anos serve como um pano de fundo para algo ainda maior: uma celebração da existência humana e das pequenas grandes coisas que fazem parte dela. “Boyhood” é uma ode ao tempo e ao cinema como uma arte capaz de capturar o que há de mais profundo na experiência humana.
Filme: Boyhood: Da Infância à Juventude
Direção: Richard Linklater
Ano: 2014
Gêneros: Drama/Coming-of-age
Nota: 10