Lançado em 2019, “O Poço” causou um grande impacto e rapidamente se tornou uma das maiores audiências da Netflix, alcançando o quinto lugar no ranking mundial de filmes em língua não-inglesa na plataforma. Cinco anos depois, chega a tão aguardada sequência, “O Poço 2”, que mantém a premissa do original e se aproxima, embora por um fio, da grandiosidade de seu predecessor.
Desta vez, os eventos são situados em um período anterior à história de Goreng (Ivan Massagué), protagonista do primeiro filme. No entanto, algumas figuras familiares do original retornam nesta sequência, como Trimagasi (Zorion Eguileor), Baharat (Emilio Buale) e Miharu (Alexandra Masangkay).
O enredo centra-se em Perempuán (Milena Smit), uma artista plástica que, acidentalmente, provoca a morte do filho de seu namorado. Embora a justiça considere o evento acidental e não a puna, Perempuán sente-se devastada pela culpa. Ela observa, amargurada, que suas obras de arte se tornam mais valiosas após o incidente, e sua carreira prospera. No entanto, incapaz de lidar com o peso de sua culpa, ela decide voluntariamente descer ao poço em busca de redenção.
Galder Gaztelu-Urrutia retorna à direção, mas desta vez também coescreve o roteiro. Se no primeiro filme o roteiro foi assinado por David Desola e Pedro Rivera, agora Desola divide os créditos com Gaztelu-Urrutia e Egoitz Moreno. Essa mudança na equipe de roteiristas resulta em um foco mais centrado na opressão religiosa, enquanto o primeiro filme abordava principalmente as questões de desigualdade de classe.
Os simbolismos centrais, no entanto, permanecem. O poço, com seus 333 níveis, abriga dois prisioneiros por andar, com uma plataforma que desce diariamente, carregando alimentos para os ocupantes. Aqueles nos níveis superiores recebem a comida impecavelmente apresentada, em pratos limpos e organizados. Conforme a plataforma desce, a comida se torna cada vez mais escassa e suja, até restar praticamente nada para os ocupantes dos níveis mais baixos. Esse processo simboliza a desigualdade social, onde os mais privilegiados desfrutam de fartura, enquanto os menos favorecidos lutam pela sobrevivência com os restos. Essa estrutura metafórica do poço continua a criticar a pirâmide social, onde a dignidade e o acesso aos recursos são reservados aos poucos no topo.
Em “O Poço 2”, essa ideia é expandida para incluir questões religiosas. Grupos como os “Leais” e os “Ungidos” desempenham papéis centrais no controle da distribuição dos recursos. Eles representam o fanatismo religioso, sugerindo como o culto a ideologias e a imposição de crenças são formas de subjugação e dominação. A manipulação religiosa é abordada como uma crítica à exploração da fé e da espiritualidade como ferramentas de controle sobre as massas.
Além disso, o filme oferece uma experiência filosófica densa. Os diálogos, ricos em simbolismos, convidam o espectador a refletir sobre questões mais profundas, além de sugerir uma crítica afiada ao poder das instituições religiosas e à manipulação da fé. Assim, “O Poço 2” não apenas expande a visão social do primeiro filme, mas também amplia as discussões, levando o público a refletir sobre como o poder pode ser exercido e perpetuado por meio de dogmas e doutrinas.
A profundidade filosófica e os diálogos intensos de “O Poço 2” desafiam o espectador a costurar suas próprias críticas e interpretações, construindo um diálogo entre a arte e o público. A obra continua a ser uma experiência provocante e inquietante, onde o terror da sobrevivência é entrelaçado com reflexões sobre moralidade, culpa e os sistemas de opressão que moldam a sociedade.
Com essa combinação de horror, crítica social e alegoria religiosa, “O Poço 2” se consolida como uma continuação digna, proporcionando uma visão mais ampla e complexa do universo distópico apresentado no primeiro filme.
Filme: O Poço 2
Direção: Galder Gaztelu-Urrutia
Ano: 2024
Gênero: Horror / Ficção Científica
Nota: 8/10