Você vai se contorcer na ponta do sofá: o melhor filme de terror psicológico de 2024 acaba de estrear na Netflix Divulgação / Diamond Films

Você vai se contorcer na ponta do sofá: o melhor filme de terror psicológico de 2024 acaba de estrear na Netflix

Os anos 1970 guardaram surpresas para todos, os que o viveram e quem não teve a chance. Talvez a amargura dos 1970 tenha sido a porta de entrada ideal para a insânia da década seguinte, feita de luzes estroboscópicas, cores néon, ritmos alucinantes, danças sujas e, o principal, o renovador cansaço que moveu a humanidade para as transformações culturais e de costumes que hoje soam um pálido decalque daqueles tempos mortos. Na sempre vanguardista televisão americana, foram consolidando-se os programas de auditório exibidos tarde da noite, pródigos em aberturas cômicas e bate-papos com celebridades e políticos, universo em que Johnny Carson (1925-2005) reinou quase absoluto. Em 1977, uma nuvem começou a pairar sobre a figura de Carson: Jack Delroy, o personagem central de “Entrevista com o Demônio”, parece determinado a usar de todas as armas para derrubar o concorrente, até que o feitiço vira. Cameron e Colin Cairnes dão o sopro de vida inicial a esse homem anárquico que luta por seu lugar ao sol do mundo do espetáculo e David Dastmalchian faz o resto, forjando o roteiro dos irmãos a seu talante e conseguindo assim perspectivas novas sobre seu anti-herói ganancioso, atrapalhado, cínico, que divide com o público.

Seis anos antes, Jack, apresentador de um talk show transmitido apenas para Chicago, fora promovido à rede nacional e quer desbancar a lenda do showbiz dos Estados Unidos, à frente do “The Tonight Show Starring Johnny Carson” há quinze anos, desde 1962, onde irá permanecer até 1992, inteirando três decênios. O fictício personagem de Dastmalchian, estrela da inexistente UBC, também deseja receber sua meia dúzia de prêmios Emmy e ser nomeado ao Television Academy Hall of Fame, mas sabe que a parada é dura. Jack não tem nenhum pejo quanto a explorar tragédias pessoais, como a morte da esposa, Madeleine, em decorrência de um câncer no pulmão — mesmo que nunca tenha fumado, ressalta o narrador —, mas nada surte efeito.

Os diretores são hábeis em captar a aura caótica de Jack, em que Dastmalchian mergulha de cabeça, como se verifica nas sequências em que, junto de Carmichael Hunt, uma espécie de inquisidor laico vivido por Ian Bliss, ele “argue” e “desmascara” Christou, um médium que “adivinha” segredos da plateia. Evidentemente, tudo aquilo não passa de uma pantomima em que o trio de farsantes ganha cada qual sua recompensa e Fayssal Bazzi monopoliza as atenções com jatos de um vômito negro que faria inveja a William Friedkin (1935-2023). Não por acaso que seja este o ponto de inflexão dessa história, uma crítica sofisticada, vesana e irreverente à televisão, ao entretenimento popular e ao gosto pelo bizarro, esta uma praga de difícil erradicação desde muito antes que a TV desse as cartas na indústria cultural. Agora, o inimigo é outro.


Filme: Entrevista com o Demônio
Direção: Cameron e Colin Cairnes
Ano: 2023
Gêneros: Terror/Comédia
Nota:
9/10