Inspirado em uma teoria de Jean-Paul Sartre, filme da Netflix é um desafio para mentes inteligentes Divulgação / Netflix

Inspirado em uma teoria de Jean-Paul Sartre, filme da Netflix é um desafio para mentes inteligentes

Abordar como as pessoas interpretam o mundo exige uma abordagem sensível, mas é uma das funções mais claras da arte. Mesmo que o respeito deva ser garantido a todos, independentemente de religião ou crença política, algumas escolhas pessoais precisam ser observadas com maior cautela, para evitar equívocos e conter excessos arbitrários. Adultos que escolhem fazer parte de seitas estão, em teoria, cientes das regras que precisam seguir. Contudo, as crianças dessas comunidades merecem vigilância constante por parte do poder público, uma vez que ainda não possuem a maturidade necessária para compreender o que realmente está por trás de certas ideologias ou promessas de criar um mundo supostamente mais seguro e harmonioso. Embora o isolamento proposto por esses grupos pareça, à primeira vista, um refúgio, ele também carrega consigo outros riscos, potencialmente tão nocivos quanto aqueles que se propõe evitar.

No filme “Mudo” (2018), dirigido por Duncan Jones, acompanhamos a jornada de Leo, um jovem que perdeu a voz devido a um trágico acidente sofrido na infância, causado por uma série de decisões mal calculadas de seus pais. Esse trauma o marca profundamente, e, trinta anos depois, ele vive uma vida solitária em Berlim, trabalhando como barman. Apesar de ter deixado para trás a comunidade amish onde cresceu, o impacto do acidente e a perda de sua capacidade de falar continuam a assombrá-lo. A trama explora um futuro distópico, onde Leo tenta, de alguma forma, reencontrar sua voz interna, ainda que a sociedade ao seu redor pareça caminhar numa direção oposta à sua busca de identidade e paz.

O roteiro de Jones e Michael Robert Johnson utiliza essa metáfora potente para ilustrar como o futuro pode ser ao mesmo tempo promissor e opressor. Leo, interpretado por Alexander Skarsgård, carrega em sua atuação um silêncio expressivo, comunicando-se quase exclusivamente por meio de olhares e gestos enquanto enfrenta dilemas pessoais e confrontos violentos, especialmente em sua relação com Naadirah, uma garçonete interpretada por Seyneb Saleh. A intensidade do personagem cresce na medida em que sua relação com Naadirah é posta à prova, e sua jornada para encontrá-la, após seu misterioso desaparecimento, se transforma num conto de vingança e autodescoberta.

Enquanto persegue pistas em um submundo repleto de figuras marginais, Leo lida com personagens como Cactus Bill, interpretado por um perturbador Paul Rudd, e Duck, vivido por Justin Theroux, ambos personagens que o levam a questionar sua própria moralidade. O desaparecimento de Naadirah o empurra para uma transformação necessária, que o faz assumir o papel de justiceiro em busca de respostas e, eventualmente, vingança. A narrativa de Jones se apropria de elementos clássicos do cinema noir, evocando a atmosfera de filmes como “O Anjo Azul”, de Josef von Sternberg, enquanto guia o espectador por um mundo sombrio e implacável. O arco romântico da história, no entanto, mantém viva a esperança, sugerindo que mesmo em meio à corrupção e ao caos, o amor e a busca por justiça podem sobreviver, ainda que se apresentem de formas inesperadas.


Filme: Mudo  
Direção: Duncan Jones
Ano: 2018
Gêneros: Ficção científica/Thriller
Nota: 8/10