Albert Camus e o dilema do absurdo no melhor suspense existencial da Netflix Ben Rothstein / Netflix

Albert Camus e o dilema do absurdo no melhor suspense existencial da Netflix

A trama de “El Camino” oferece uma sequência natural para quem já acompanhou a jornada de Walter White e Jesse Pinkman. O filme mantém o foco no arco iniciado em 2008 e encerra, de forma sangrenta, cinco anos de histórias marcantes. Ainda que Vince Gilligan tenha a tarefa difícil de concluir esse capítulo, o público jamais é deixado de lado, pois ele sabe que a essência da série é preservar o impacto de seus protagonistas. O filme não se permite ser apenas uma continuação automática da série, evitando o óbvio e mantendo seu vigor narrativo.

Para tanto, o diretor dispôs de um recurso raro: tempo. Essa liberdade permitiu que ele conduzisse a narrativa de forma mais reflexiva, oferecendo ao espectador momentos de retomada sem perder o ritmo. O resgate de Pinkman, mantido em cativeiro por nazistas produtores de metanfetamina, serve como ponto central. Ao retomar esse fio condutor, a história continua explorando o destino de Jesse, agora alvo de uma caçada incessante, e seu desejo de fuga para o Alasca. Esse jogo de perseguições e tentativas de sobrevivência, no entanto, não transforma o filme em um simples thriller.

A produção abraça um tom mais introspectivo, retratando a evolução pessoal de Pinkman. Longe de ser um mero criminoso em fuga, ele enfrenta um processo de amadurecimento, lidando com seu passado violento e as consequências de suas ações. A fotografia e o design sonoro são elevados a outro nível, recriando o visual impactante da série. Gilligan explora o estado de espírito de Jesse através de uma dicotomia visual: ora envolto nas sombras da escuridão, ora banhado pelas luzes dos faróis de carros, vagando como uma figura atormentada.

Aaron Paul brilha ao encarnar as complexidades emocionais de Jesse, um homem que busca redenção sem se permitir iludir com grandiosas reflexões existenciais. Seu desempenho orgânico traz de volta o Jesse que os fãs da série conheceram, e a presença de personagens como Todd Alquist, em um flashback crucial, contribui para o desenvolvimento da trama. O sequestro do protagonista adquire uma aura quase mítica, onde a violência do passado e o anseio por um futuro tranquilo se chocam.

Embora “El Camino” possa não responder a todas as perguntas que os fãs têm sobre o destino de Walter White, sua breve aparição revela uma camada importante da psique de Jesse. O filme, de fato, não busca ser uma solução definitiva para todos os mistérios da série, mas sim um complemento poético e inquietante, onde a redenção e a sobrevivência se entrelaçam.


Filme: El Camino: A Breaking Bad Movie
Direção: Ben Stassen e Benjamin Mousquet
Ano: 2019
Gêneros: Crime/Drama
Nota: 10/10