Inspirado na filosofia política de Maquiavel, suspense de ação na Netflix é a obra-prima de Brad Anderson Divulgação / Netflix

Inspirado na filosofia política de Maquiavel, suspense de ação na Netflix é a obra-prima de Brad Anderson

Explorar assuntos sem um entendimento profundo pode gerar riscos imprevistos, mesmo quando a motivação é a curiosidade científica. O desconhecido, o estrangeiro, não necessita de porta-vozes que se distanciem de sua própria essência. Quando isso ocorre, quase sempre surge uma imposição arbitrária, uma força bruta que compromete direitos básicos de qualquer indivíduo, esteja ele alinhado ou não com o lado dominante. Conflitos armados desafiam o tempo e a lógica, alimentados por justificativas díspares, o que leva observadores atentos a perceber que, para além de embates ideológicos, as guerras servem a interesses financeiros, à autoafirmação no cenário internacional e à subversão de ordens estabelecidas — incluindo a paz, que transcende os campos da política, geopolítica e economia. Além disso, revelam a capacidade humana de crueldade, transformando a violência em algo quase lúdico. Não é por acaso que, em certa ocasião, alguém tenha ironizado que “guerra é uma diversão”. Mas é nas consequências dessa “brincadeira” que reside a verdadeira tragédia.

O suspense político de Brad Anderson, lançado em 2018, joga luz sobre um dos conflitos mais duradouros: a tensão entre os Estados Unidos e o Oriente Médio. A cidade de Beirute, nos anos 70, dista muito da metrópole que se vê hoje, mas o diretor consegue recriar a atmosfera daquele tempo, utilizando o design de produção para transportar o espectador a uma era de mudanças profundas. A trama é conduzida pela atuação de Jon Hamm como Mason Skiles, um diplomata americano cuja visão crítica sobre a capital libanesa é clara desde a primeira cena. Com um roteiro cuidadosamente elaborado por Tony Gilroy, o filme provoca reflexões acerca da política externa americana e suas consequências sobre a população local. A ambiguidade das intenções por trás das ações governamentais abre espaço para a dúvida: trata-se de uma sátira sobre a arrogância imperialista ou de uma análise mais irônica e sutil das relações internacionais daquele período? Seja como for, o distanciamento da realidade cultural libanesa pelos americanos é evidente e serve como um pano de fundo para os dilemas enfrentados por Skiles.

Já em 1982, em pleno coração da Guerra Civil Libanesa, a situação de Skiles se complica com o retorno à cidade. O conflito, agravado pela entrada de refugiados palestinos e pelo envolvimento de forças externas como Síria, Israel e a OLP, coloca o diplomata em uma posição delicada. Agora, ele é visto como peça-chave para solucionar as hostilidades, enquanto lida com problemas pessoais, incluindo sua relação com Nadia, uma libanesa interpretada por Leïla Bekhti, e Karim, um jovem que ele havia tomado sob sua tutela anos antes. A transformação de Karim, de pupilo promissor a um potencial terrorista, reflete o ciclo vicioso de violência que permeia o Oriente Médio. O garoto, interpretado inicialmente por Yoav Sadian e depois por Idir Chender, sequestra o amigo de Skiles, Cal, mergulhando o diplomata em um dilema pessoal e profissional.

O filme levanta questionamentos sobre a responsabilidade das nações envolvidas nesses conflitos, ao mesmo tempo em que dialoga com produções como “Munique” (2005), de Steven Spielberg. Embora não seja tão icônico, “Beirute” compartilha com o épico de Spielberg a crítica ao caos gerado pela violência organizada. Outro paralelo pode ser traçado com “Reféns de Gladbeck” (2022), de Volker Heise, onde o desmantelamento do status quo também surge como tema central. A Alemanha, direta ou indiretamente, reaparece como cenário de tragédias históricas, evidenciando a recorrente interferência europeia em crises globais. O Oriente Médio, com sua complexa relação com o tempo e o passado, reflete a permanência de um ciclo destrutivo que, tragicamente, continua a repetir-se.


Filme: Beirute
Direção: Brad Anderson
Ano: 2018
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 9/10