“Identidades em Jogo”, como toda história algo delirante e minuciosa sobre personagens entediados que descobrem um passatempo cheio de perigos, lembra Agatha Christie (1890-1976), com um pitada de thriller voluptuoso à Adrian Lyne. Numa narrativa eminentemente conceitual, Greg Jardin subverte alguns lugares-comuns em filmes congêneres e chega a um resultado perturbador em uma ou outra cena. Dispondo de exageros na trilha, a cargo de Andrew Hewitt, ou na fotografia de Kevin Fletcher, Jardin conta a história de um grupo de amigos que se reúnem para uma confraternização antes do casamento de um deles, o que degringola num evento traumático depois que alguém inclui uma brincadeira nada inocente na festa. A partir de então, personagens e espectador são lançados num dédalo de onde parece que só pode sair muito rancor, tragédia e sangue, mal-estar que o roteiro do diretor administra bem.
As inconsistências da juventude acumulam-se sob a forma de conflitos, que por seu turno quase sempre degringolam em atitudes precipitadas, irrefletidas, que terminam por custar caro. Contrariamente ao que achamos quando somos imprudentemente jovens, e, portanto, marcados por uma ingenuidade perigosa, o universo não nos deve coisa alguma, não tem a menor ideia sobre quem somos e não faz nenhuma questão de tê-la. É exatamente o oposto: somos nós, essas criaturinhas ridículas e nefastas e pretensiosas, quem devemos procurar cada vez mais conhecê-lo, malgrado uma vida dure menos de um segundo para tanto, e, mais uma vez, cheguemos ao fim da estrada, perplexos com nossa ignorância, nus, descalços e vulneráveis, como no princípio, à espera dos bárbaros com sua solução mágica para os problemas que cultivamos com toda a diligência. Os tipos assumidamente levianos, cínicos, que vão surgindo em “Identidades em Jogo” estão num palacete rural à volta de uma mesa. Os semblantes são cordiais, eles se abraçam, e um dos convidados abre uma mala de onde tira eletrotodos que eles levam à têmpora. Agora, o cérebro de cada um é como um disco rígido, alimentado com informações novas acerca dos membros do grupo.
A câmera gira. O cenário labiríntico é uma menção clara à natureza da mente humana e uma insistente Iuz vermelha banha os espaços. Jardin continua firme em sua intenção de incomodar o público, distorcendo as vozes dos atores — dos quais exige muito, diga-se —, para que nos convençamos de que isso não é um jogo. Na pele de Shelby, Brittany O’Grady lidera os rostos bonitos em profusão aqui, destacando-se justamente por ir além das obviedades do carisma, a exemplo do que já vinha fazendo em “The White Lotus” (2021). Como as redes sociais estão mais e mais categóricas na definição da imagem e da identidade de muitos, não se pode descartar que nasçam outras flores desse pântano, com uma sequência, um spin-off ou, por que não?, uma nova série.
Filme: Identidades em Jogo
Direção: Greg Jardin
Ano: 2024
Gêneros: Comédia/Suspense/Mistério
Nota: 8/10