A mente humana é um labirinto complexo, cheio de mistérios e armadilhas que podem levar qualquer pessoa a perder-se em suas profundezas sem possibilidade de retorno. Não surpreende, portanto, que M. Night Shyamalan, conhecido por explorar os recantos mais obscuros da alma, use seu filme “Fragmentado” para dissecar a psique de um personagem cuja natureza flutua entre a multidão de identidades que o habitam. O protagonista, Kevin Wendell Crumb, é um exemplo perfeito desse tormento interior. Ele vive dividido entre uma faceta brutal e uma personalidade fragilizada, prisioneiro de forças que o arrastam para ações perversas, enquanto, paradoxalmente, anseia por alguém que o liberte da escuridão sufocante que permeia sua existência.
No entanto, “Fragmentado” não se resume ao caos psicológico de Kevin. O roteiro de Shyamalan introduz uma subtrama que traz uma figura essencial para o desenrolar da trama: Casey Cooke. Interpretada por Anya Taylor-Joy, Casey é uma jovem introvertida, distante e marcada por um passado sombrio. Ela, sem querer, se vê envolvida em um pesadelo ao participar de uma festa de aniversário que culmina em sua captura por Kevin. A escolha de Casey para o papel de protagonista é estratégica, pois sua história pessoal encontra ressonância com a trajetória de Kevin. Shyamalan constrói uma relação entre a jornada interior de Casey e os horrores externos que ela precisa enfrentar, oferecendo uma justificativa narrativa que se desdobra à medida que o filme avança.
Kevin, interpretado magistralmente por James McAvoy, é uma das criações mais complexas de Shyamalan. Com 23 personalidades distintas vivendo dentro de si, McAvoy assume o desafio de dar vida a personagens radicalmente diferentes, cada um com suas particularidades, neuroses e medos. Entre essas personas, destaca-se Hedwig, uma criança de nove anos que mistura ingenuidade com um comportamento ligeiramente insolente, e Barry, um fashionista nova-iorquino afetado. Ambos contrastam fortemente com Dennis, a personalidade dominante e mais perigosa de Kevin, responsável por manter Casey e outras duas jovens, Claire e Marcia, em cativeiro.
O brilhantismo de McAvoy está em sua capacidade de transitar fluidamente entre essas identidades sem perder o fio condutor da narrativa, trazendo nuances que humanizam Kevin, mesmo em seus momentos mais monstruosos. A tensão crescente no filme é habilmente construída por Shyamalan, que utiliza uma gama de técnicas para aprofundar a exploração da mente fragmentada de Kevin. A psiquiatra Karen Fletcher, interpretada por Betty Buckley, aparece como a figura que tenta compreender e controlar esse caos mental, mas, ao final, sua impotência diante da magnitude da loucura de Kevin é exposta de forma inescapável.
O que diferencia “Fragmentado” de outros filmes de suspense psicológico é justamente a maneira como Shyamalan explora os limites da sanidade e da identidade humana. Ele nos convida a refletir sobre como o trauma, o isolamento e a dor podem moldar indivíduos de maneiras imprevisíveis e muitas vezes perturbadoras. O filme, longe de ser um simples estudo sobre múltiplas personalidades, oferece uma meditação mais ampla sobre o poder da mente humana e as forças que podem tanto destruí-la quanto salvá-la.
Com um final tão inquietante quanto o início, “Fragmentado” reafirma a habilidade de Shyamalan de criar narrativas que, ao mesmo tempo em que desvendam os aspectos mais sombrios do ser humano, deixam o espectador refletindo sobre as profundezas da psique. O confronto final de Kevin não é contra seus próprios demônios internos, mas contra uma força ainda mais poderosa e intransponível, aquela que representa a inevitabilidade de sua destruição. Assim, Shyamalan nos lembra que, por mais complexa e multifacetada que seja a mente humana, ela é, em última análise, vulnerável e, por vezes, incapaz de escapar de suas próprias armadilhas.
Filme: Fragmentado
Direção: M. Night Shyamalan
Ano: 2016
Gêneros: Thriller/Terror
Nota: 8/10