Adaptação de livro que ficou 180 semanas na lista dos best sellers do New York Times e vendeu 12 milhões de cópias no mundo, está na Netflix François Duhamel / CTMG

Adaptação de livro que ficou 180 semanas na lista dos best sellers do New York Times e vendeu 12 milhões de cópias no mundo, está na Netflix

Em “Comer, Rezar, Amar”, uma jornada pessoal se desdobra ao longo de duas horas em uma narrativa que pode ser descrita como uma “Odisseia” moderna, protagonizada por uma mulher em busca de autoconhecimento e paz interior. Elizabeth Gilbert, a anti-heroína desta história, tenta preencher seu vazio existencial viajando para destinos exóticos como Bali, Índia e Itália. Guiada por um espírito inquieto, ela se lança à fruição dos prazeres e à exploração de novas culturas, tudo enquanto tenta reencontrar a si mesma. Sua busca, no entanto, revela algo paradoxal: a verdadeira paz que ela almeja está mais próxima do que imagina, escondida em um lugar dentro de si.

O filme começa com Liz pedalando por um arrozal em Bali, momento em que ela reflete sobre as misérias universais que afligem todas as pessoas, independentemente de sua condição financeira. Esse início já sinaliza que sua jornada não será apenas física, mas também emocional e espiritual. A presença de Ketut Liyer, um guru que lhe apresenta filosofias orientais e obviedades reveladoras, parece oferecer uma espécie de epifania necessária para que Liz compreenda mais sobre o equilíbrio da vida. A metáfora de uma deusa hindu, equilibrando-se sobre quatro pernas, destaca-se como símbolo crucial para a trama.

A protagonista, aos quarenta e poucos anos, vive uma crise de meia-idade que transborda em sua incapacidade de se conectar profundamente com os homens que a amam, um dilema que a narrativa explora com intensidade crescente. O roteiro, escrito por Ryan Murphy e Jennifer Salt, vai transformando Liz, inicialmente retratada de forma egoísta e impenetrável, em uma figura mais vulnerável e identificável. Esse processo de humanização da personagem é potencializado pelo carisma de Julia Roberts, que transita entre a frieza de uma mulher desgastada pelos relacionamentos e a fragilidade de alguém que busca desesperadamente um novo sentido para a vida.

As cenas de Liz com Stephen, vivido por Billy Crudup, destacam um relacionamento sem futuro, marcado por uma rotina sem expectativas. Esses momentos sublinham o sentimento de estagnação que consome Liz e evidenciam a banalidade de uma vida conjugal que ela não consegue mais sustentar. Um dos pontos altos do filme é uma sequência em que ambos dançam na festa de casamento, um último resquício de seu casamento, simbolizado pela música “Celebration”, do Kool & the Gang. Esse diálogo melancólico e repleto de lirismo encerra qualquer esperança de reconciliação entre os dois.

Ao longo do filme, a transição de Liz pela Itália, onde a comida e o prazer são celebrados, marca uma pausa na narrativa emocionalmente densa. Na Ásia, a trama volta a ganhar força, e é aqui que o filme realmente atinge seu ponto alto. A amizade com Richard, um texano que conhece num templo em Nova Délhi, proporciona um contraste essencial. O pragmatismo e a simplicidade de Richard, interpretado por Richard Jenkins, contrastam com as complexidades de Liz, ajudando-a a dar ainda mais valor às lições que aprende em sua jornada.

Já de volta a Bali, Liz experimenta um momento de humor involuntário quando Ketut, o guru que ela acreditava ser seu guia espiritual, não a reconhece. Esse episódio quebra a previsibilidade do enredo e introduz um toque de leveza à narrativa. No fim, o esperado romance com Felipe, vivido por Javier Bardem, sela a trajetória de Liz com uma nota de esperança, embora o espectador possa ficar com a impressão de que o verdadeiro final feliz não está no relacionamento, mas sim no que Liz descobre sobre si mesma.

Ryan Murphy, ao adaptar o best-seller de Elizabeth Gilbert, oferece uma visão sensível, mas também crítica, sobre a busca por sentido e transformação pessoal. O filme não deixa de expor as incoerências e os dilemas de sua protagonista, uma mulher em constante transformação, que, ao longo de sua jornada, descobre que as respostas que tanto procura talvez jamais sejam totalmente reveladas, mas isso não diminui a importância de continuar buscando.

Esse enfoque em uma personagem central imperfeita e em constante autoavaliação é o que torna “Comer, Rezar, Amar” um retrato cativante da condição humana, onde a busca por equilíbrio e paz raramente tem uma conclusão definitiva.


Filme: Comer, Rezar, Amar
Direção: Ryan Murphy
Ano: 2010
Gêneros: Romance/Drama 
Nota: 8/10