Um universo de perguntas pode revelar horizontes inesperados, ainda que à primeira vista não pareçam urgentes. Philip K. Dick (1928-1982) era especialmente entusiasmado com uma aguardada estreia nos cinemas. Na sua última entrevista para a “The Twilight Zone Magazine”, ele deixou transparecer um certo fanatismo, a ponto de se preocupar com a roupa que usaria para tal evento, possivelmente o mais marcante de sua trajetória. Dick, que já colecionava duas décadas de carreira e 44 produções, cogitava se comprar ou alugar um smoking, apesar de preferir seus habituais jeans gastos e camiseta simples.
Curiosamente, PKD não sempre foi favorável à adaptação de seu livro mais famoso, “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?”, lançado em 1968. Em 1970, soube que os direitos da obra haviam sido vendidos sem seu aval, adquiridos pelo produtor Herb Jaffe, que designou seu filho para adaptar o roteiro. Dick, indignado, confrontou Jaffe numa tentativa de impedir a adaptação. No entanto, em 1977, o produtor Michael Deeley entrou no projeto, permitindo que o filme “Blade Runner — O Caçador de Androides”, dirigido por Ridley Scott, ganhasse vida nas telas em 1982.
Ao longo de mais de três décadas, essa primeira adaptação cinematográfica do romance de Dick nunca foi consenso. Embora sempre tivesse potencial para se tornar um clássico, demorou para que “Blade Runner” fosse reconhecido como tal. Inicialmente reverenciado por um nicho de cinéfilos, o filme enfrentou resistência, principalmente de fãs mais conservadores que queriam manter sua exclusividade.
O lançamento de “Blade Runner 2049” em 2017 trouxe frescor à franquia, sendo tanto relevante para os dias atuais quanto respeitoso ao seu antecessor. A trama se mantém fiel à essência original, sem cair na armadilha de ser apenas uma cópia. O talento de Ryan Gosling no papel de K, um oficial de polícia encarregado de “aposentar” replicantes, é central para o enredo. Esses androides, destinados à extinção desde sua criação, se misturam à sociedade humana, desafiando o que resta de uma paz social frágil.
O filme, que poderia facilmente ter se tornado mais uma produção genérica, foi salvo pelo toque do diretor Denis Villeneuve. Já consagrado por trabalhos como “Os Suspeitos” e “A Chegada”, ele assumiu a direção após Ridley Scott preferir ocupar-se da produção executiva. Villeneuve conseguiu injetar frescor e sofisticação na narrativa, mantendo o alto nível da franquia.
Na história, K é um replicante que persegue outros de sua espécie. Ele, porém, deseja o que Rick Deckard, seu alvo principal e protagonista do filme de 1982, parece ter conseguido: a liberdade de viver à margem, fora do controle dos algoritmos que definem sua existência. O dilema de K é existencial, refletindo a constante tensão entre viver e simplesmente existir, uma das temáticas centrais da obra, permeada por questões filosóficas profundas.
Visualmente, “Blade Runner 2049” é um espetáculo. A fotografia se destaca, sustentando três horas de projeção de uma trama densa, cuja mensagem vai reverberar por décadas. Assim como o primeiro filme, a continuação de Villeneuve surge com ares de hesitação em um mundo cada vez mais distópico, onde a humanidade parece resignada à sua própria ruína. A vitória das máquinas é inevitável.
Filme: Blade Runner 2049
Direção: Denis Villeneuve
Ano: 2017
Gêneros: Ficção científica/Ação
Nota: 10/10