Não se sabe se Ingmar Bergman (1918-2007) ficaria orgulhoso de “Prisioneiro do Caos”, mas que o filme de Jon Holmberg é um símbolo do novíssimo cinema sueco — e, mais importante, de suas nada modestas pretensões — não restam dúvidas. Talvez não se possa dizer que a história criada por Holmberg e Tapio Leopold, sobre um homem comum repentinamente tragado para o centro de uma sucessão de crimes e eventos muito distantes de sua realidade banal, se repita com qualquer um, porém com alguma segurança pode-se afirmar que esta crônica bem-humorada acerca da corrupção policial, presente mesmo nas sociedades mais desenvolvidas do globo, presta-se a uma reflexão perturbadora a respeito do que fazemos com o que o destino, esse pândego, esse tirano, tem a oferecer a cada criatura.
À medida que se vive, mais se cristaliza em nós a ideia de que a vida é um curioso desafio, em que vencida cada etapa, impõe-se-nos a seguinte, e mais outra, e outra ainda, até que essas mil situações que mais parecem testes a nossa resistência, se tornem para nós a fonte mesma do que podemos ter de mais genuíno, a capacidade de suportar a incerteza fundamental que cobre tudo, desfaz dos planos mais ordinários com que nos atrevemos a sonhar, atropela com brutal violência o que julgamos precioso e sobrepuja-nos seu caráter sobranceiro, de pesada sombra que eclipsa qualquer chance de claridade.
A história começa quando Conrad Rundqvist, vendedor numa loja de eletroeletrônicos, aceita um trabalho extra e vai instalar uma televisão na casa de Miriam Stanković, mulher de um poderoso da gângster da mafia do Leste Europeu. Seu marido é assassinado quando ela sai e deixa Conny sozinho, um tanto atrapalhado entre placas e circuitos, não nota a presença de estranhos por usar um dos fones capazes de abafar qualquer ruído que vende. Pouco antes, ainda na loja, mas à paisana, atende Diana, uma policial determinada e incorruptível, e a sorte dos dois vai se unir depois da carnificina na sala de TV de Miriam. Se a polícia pode contar com Diana como exemplo de uma legítima defensora da lei, da ordem e da sociedade, Helena Malm é a maçã podre que tenta contaminar todo o cesto. Conforme se vai assistir, ela é mesmo venenosa.
O diretor dá um jeito de encaixar uma ou outra sequência de ação mais célere ao passo que não descuida de filigranas semânticas, apontando para o caráter estoico de seu anti-herói. Aparecendo ao longo dos 98 minutos de filme, Filip Berg concentra toda a história em sua presença carismática, à volta da qual orbitam as personagens de Eva Melander e Amy Deasismont, em polos contrários. A propósito, é de se lamentar que Conny e Diana só tenham um horizonte romântico na último lance, o que confirma que ele é um aplicado epígono do grande Zenão de Cítio (333 a.C — 263 a.C).
Filme: Prisioneiro do Caos
Direção: Jon Holmberg
Ano: 2024
Gêneros: Comédia/Ação
Nota: 8/10