O filme coreano que superou a bilheteira de Vingadores: Ultimato em sua estreia está na Netflix Divulgação / Netflix

O filme coreano que superou a bilheteira de Vingadores: Ultimato em sua estreia está na Netflix

O desejo de transformação acompanha o ser humano desde os primórdios. A busca por uma realidade idealizada permeia seu imaginário e inspira até narrativas míticas, como as histórias de cidades devastadas pela corrupção moral. Exemplos como Sodoma e Gomorra representam lugares que se desintegram sob o peso do mal enraizado em seus habitantes, ao ponto de nem uma entidade superior tolerar sua existência. Mas onde foi que a humanidade se afastou das boas intenções? O conceito de um mundo mais justo sempre pareceu sedutor, mas as distorções começaram cedo.

Mesmo as ideias que pregam igualdade social, justiça e democracia revelaram-se construídas em bases frágeis. A ideia de uma sociedade onde todos são vistos de maneira igualitária rapidamente se provou uma utopia desvirtuada desde a sua concepção. Ao invés de leis que garantam essas condições, o que se vê é uma tendência à ausência de normas. Não seria uma luta por direitos, mas uma queda rumo à anarquia. A imagem de um apocalipse surge justamente dessa inversão de valores, em que o caos reina e o mundo, como o conhecemos, desaparece para muitos.

O fascínio por criaturas sobrenaturais que vagam pela terra após a morte já faz parte da cultura ocidental há séculos, desde a época medieval. Durante esse período, histórias sobre vampiros e bruxas, que muitas vezes foram perseguidas e queimadas, moldaram a imaginação popular. No entanto, zumbis, essas figuras de mortos que retornam, carregam consigo uma aura de mistério. Rituais e crenças em países como o Haiti, onde práticas de magia negra são associadas ao retorno dos mortos, alimentam essa narrativa, despertando o medo e o estranhamento diante de culturas e realidades diferentes. Esses temas, frequentemente explorados no cinema, trazem à tona a questão de como seria sobreviver em um mundo arruinado, sem recursos, leis ou esperança.

O cinema apropriou-se dessa questão de maneira intensa. Desde a criação de mortos-vivos como conhecemos hoje, com o clássico “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968), de George Romero, as histórias de pessoas que retornam da morte evoluíram para um gênero próprio. O tema das ressurreições, seja por causas científicas, mágicas ou sobrenaturais, encontrou um público devoto. Produções que inicialmente trabalhavam com orçamentos modestos deram origem ao subgênero gore, marcado pelo excesso de sangue e violência, mas que acabou conquistando os grandes estúdios.

Entretanto, no caso de uma obra como “Invasão Zumbi”, o foco é diferente. Lançado em 2016, sob a direção de Yeon Sang-ho, este filme sul-coreano apresenta uma nova abordagem dentro do gênero de zumbis, destacando-se pela inovação técnica e narrativa. Assim como outras produções do cinema coreano recente, como “O Hospedeiro” (2006), o longa combina qualidade técnica com um enredo envolvente e impactante. Yeon segue os passos de Bong Joon-ho ao criar um produto que equilibra sucesso de bilheteria com profundidade.

A humanidade como conceito amplo permeia o trabalho de Sang-ho. Neste filme, acompanhamos Seok Woo, um homem absorto no trabalho, que leva sua filha em uma viagem de trem a Busan, onde planeja entregá-la à mãe. No entanto, o que deveria ser uma jornada tranquila torna-se uma luta pela sobrevivência quando zumbis infestam o trem e suas paradas. A narrativa explora as divisões de classe e o egoísmo, destacando como aqueles com maior poder aquisitivo buscam se isolar, acreditando que estão a salvo do terror que se espalha. Enquanto isso, na classe econômica, encontramos personagens comuns que enfrentam desafios reais.

A transformação do protagonista, Seok Woo, que começa focado apenas em si mesmo, é o grande ponto de virada da história. Ao longo da trama, ele encontra outros personagens que compartilham de uma mentalidade egoísta, muitos deles com recursos para se protegerem. No entanto, o que distingue Seok Woo é sua jornada de autodescoberta em meio ao caos, repensando sua vida e suas escolhas. Mesmo durante as intensas cenas de ação, essa evolução emocional se destaca, com momentos de tensão e desespero intensificados por detalhes visuais cuidadosamente elaborados.

Narrativas como esta exemplificam a dualidade com que o ser humano lida desde o momento em que percebe sua capacidade de raciocínio e sensibilidade. O filme ressalta a necessidade de mudança como meio de salvação, algo que não deveria depender da intervenção de criaturas aterradoras para nos ensinar.


Filme: Invasão Zumbi
Direção: Yeon Sang-ho
Ano: 2016
Gêneros: Terror/Ação
Nota: 10/10