O filme, digno de Oscar, que é uma verdadeira aula e um dos melhores épicos da história da Netflix Divulgação / Sophie Dulac Productions

O filme, digno de Oscar, que é uma verdadeira aula e um dos melhores épicos da história da Netflix

Diversos grupos marginalizados sofreram perseguição ao longo da história. Entre os séculos XII e XVIII, a Inquisição, instrumento da Igreja Católica Apostólica Romana, impôs a morte a muitos que eram vistos como hereges, particularmente mulheres. Aproximadamente 100 mil delas foram executadas, acusadas de bruxaria por não se enquadrarem nos padrões sociais da época. Vítimas de um sistema que as condenava por suas diferenças, essas mulheres pagavam o preço final: queimadas vivas, suas existências eram apagadas e suas famílias, estigmatizadas. Aqueles que confessavam um pacto com o diabo tinham o destino de serem estranguladas antes de serem atiradas ao fogo, como se essa fosse uma forma de misericórdia.

O filme “Silenciadas” (2020), dirigido por Pablo Agüero, revisita essa brutalidade histórica, refletindo a intolerância que persiste contra minorias até os dias atuais. A caçada às bruxas retratada no longa é uma metáfora da perseguição às mulheres que se destacavam em uma sociedade patriarcal e dogmática. Muitas das vítimas eram mulheres negras, judias, muçulmanas convertidas ao cristianismo, ou homossexuais, todas vivendo sob o constante escrutínio da Igreja. O poder religioso as via como ameaça, não só pelas suas crenças ou sexualidade, mas também por sua condição socioeconômica. O controle da Igreja sobre suas propriedades e riquezas servia tanto para garantir sua hegemonia quanto para alimentar seu poder. Contudo, as ideias humanistas e iluministas surgiram para confrontar esse domínio opressor, defendendo a racionalidade e a liberdade individual. Mesmo assim, foi apenas com a Revolução Francesa que essa perseguição começou a ser efetivamente desmantelada.

Em “Silenciadas”, Agüero ressalta como o medo e a intolerância frente ao que é diferente marcam toda a trama. Ambientada no século XVII, a narrativa expõe a mulher como um alvo a ser eliminado, visto que ela encarnava tanto a beleza da criação quanto a corrupção moral, numa visão que remontava à figura de Eva. O filme ecoa a luta contra essa visão arcaica, mostrando mulheres que ousavam experimentar e desafiar as normas da época. Agüero, acompanhado da corroteirista Katell Guillou, apresenta uma sociedade rigidamente hierárquica, onde a Igreja estava subjugada à autoridade real, simbolizada pelo rei Filipe III. Mesmo os representantes religiosos mais influentes, como o padre Cristóbal, se viam em disputas por poder com conselheiros da Coroa, refletindo a fragilidade da religião frente à nobreza, que controlava o destino de todos.

Ao desenvolver o personagem de Ana, uma jovem caçada sob a acusação de bruxaria, Agüero mostra a luta contra o machismo e a opressão. A independência e beleza de Ana são uma ameaça direta aos valores de uma sociedade que não tolerava mulheres fora do controle masculino. Em uma cena chave, Ana e suas amigas passeiam pela floresta, livres e sem medo de discutir abertamente suas experiências românticas e sexuais, o que era um tabu naquela época. Esse ato de liberdade, mais do que qualquer feitiçaria, selava seus destinos.

No final do filme, a imagem da bruxa voadora é evocada, assim como a simbologia do fogo. O fogo, que tanto as assombrava quanto era usado por elas, representa a força destrutiva da ignorância que consumia essas mulheres, mas também a chama de resistência que nunca se apagou. Ao serem condenadas à fogueira, o crime dessas mulheres não era a prática de magia, mas sim o simples fato de serem quem eram e viverem suas vidas.


Filme: Silenciadas
Direção: Pablo Aguero
Ano: 2020
Gêneros: Drama/Obra de Época
Nota: 9/10