Faroeste moderno de Taylor Sheridan, na Netflix, é um filme inesquecível que vale cada segundo do seu tempo Divulgação / Wild Bunch Germany

Faroeste moderno de Taylor Sheridan, na Netflix, é um filme inesquecível que vale cada segundo do seu tempo

A história se passa em um ambiente gélido e desolador, onde o clima brutal serve de metáfora para a indiferença e violência humanas. Taylor Sheridan, em sua escrita e direção, revela um lado da sociedade que muitos preferem ignorar, mergulhando o espectador em uma trama de brutalidade escondida em zonas remotas, longe dos olhos da justiça. Tudo começa com a descoberta do corpo de Natalie, uma jovem indígena, por Cory Lambert, um caçador de predadores interpretado por Jeremy Renner. Esta descoberta marca o ponto de partida de uma investigação que tenta, a todo custo, desvendar a verdadeira história por trás dessa morte trágica.

“Terra Selvagem” segue com a chegada da agente do FBI Jane Banner, vivida por Elizabeth Olsen, que, apesar de inexperiente com o rigor do ambiente, decide liderar a investigação. A jovem encontrada não apenas foi espancada, mas também correu por longos quilômetros em um frio extremo até seus pulmões não suportarem mais. As pistas são reveladoras: ela fugia de algo terrível. Lambert, que já enfrentou um luto semelhante com a perda de sua própria filha em circunstâncias parecidas, se torna uma peça-chave na resolução do mistério, trazendo à tona a dor que ele mesmo carrega. Ao ajudar Banner, ele busca não só justiça para Natalie, mas também uma espécie de redenção pessoal pela filha que jamais teve seu caso resolvido.

A trama de Sheridan vai além do suspense criminal. Ela lança um olhar implacável sobre a negligência e as falhas de um sistema judicial que ignora as tragédias que assolam as comunidades indígenas. Na reserva onde o filme se passa, feminicídios não resolvidos são uma triste realidade. A própria história do filme é inspirada por casos reais de mulheres indígenas assassinadas, cujos algozes muitas vezes continuam impunes por falhas nas leis e na aplicação da justiça. Este vácuo jurídico, que exige a presença de agentes federais para processar criminosos não-nativos, perpetua a impunidade e a continuidade de crimes hediondos.

Esse problema não é exclusivo dos Estados Unidos. No Brasil, e em diversas partes do mundo, o feminismo ainda luta para proteger corpos femininos, especialmente os de mulheres pertencentes a grupos vulneráveis, como as indígenas. Essas mulheres são frequentemente fetichizadas e desumanizadas, e seus desaparecimentos e assassinatos são tratados com descaso. Nos Estados Unidos, o desaparecimento de mulheres indígenas é considerado uma verdadeira epidemia, conforme reconhecido pelo próprio governo. Organizações estimam que o número de mulheres e meninas indígenas desaparecidas seja muito maior do que os dados oficiais, revelando um cenário alarmante.

Em 2020, uma reportagem da BBC revelou que mais de 5.200 mulheres e meninas nativo-americanas desapareceram naquele ano, um dado que reflete o tamanho da crise. No Brasil, segundo dados da Folha de São Paulo, um indígena morre de forma violenta a cada três dias, um reflexo da violência enfrentada por essas populações. “Terra Selvagem” não apenas expõe essas tragédias, mas também serve como um apelo urgente por justiça. A trama se constrói em torno de uma crítica feroz às falhas judiciais que perpetuam a marginalização desses grupos e os deixam à mercê da violência.

O filme foi rodado em apenas 40 dias, sob condições climáticas severas, o que aumenta a intensidade da produção. As atuações de Jeremy Renner e Elizabeth Olsen adicionam ainda mais brilho à história, elevando uma narrativa que já é visceral e envolvente. Ao ser exibido no Festival de Cannes, “Terra Selvagem” recebeu uma longa ovação de oito minutos, um reconhecimento que vai além da qualidade técnica. O público se comoveu pela denúncia que o filme faz, revelando uma realidade que muitos preferem não enxergar. Não é apenas uma obra de ficção, mas um espelho das injustiças vividas pelas mulheres indígenas que, muitas vezes, permanecem invisíveis.

A força do filme está em sua capacidade de unir uma história de suspense com uma crítica social profunda. Ele não apenas retrata a dor e a perda de uma família, mas coloca o espectador diante de uma questão muito maior: a responsabilidade da sociedade em proteger seus membros mais vulneráveis. Sheridan cria uma obra que nos obriga a refletir sobre a negligência institucionalizada e a banalização da violência contra mulheres indígenas. Esse é um filme que transcende o entretenimento, pedindo que o público não apenas assista, mas que leve adiante a discussão sobre essa crise invisível.


Título: Terra Selvagem
Direção: Taylor Sheridan
Ano: 2017
Gênero: Drama/Policial/Suspense
Nota: 10/10