Uma garota sozinha, morando num casarão perdido em meio a um bosque denso do Tennessee, parece querer ser, afinal, compreendida e, quiçá, amada. Misturando o russo Vladimir Nabokov (1899-1977) e quiçá algum trabalho de H. Jackson Brown Jr. (1940-2021), fruto da América profunda, chega-se a “A Garota de Miller”. Roteirizado, produzido e dirigido por Jade Halley Bartlett, esta é uma tentativa sofisticada de se explicar algumas incoerências da juventude, iludida por uma promessa qualquer de felicidade, sendo que o gênero humano está essencialmente condenado a perseguir essa quimera, uma vez que o mundo é, como na caverna de Platão (428 a.C – 348 a.C), só um simulacro das projeções muito íntimas de cada um, de conceitos eivados de nossas idiossincrasias mais diversas, aquelas que mantêm-nos mais e mais encafuados em nossos sonhos e delírios.
Estamos todos à procura de nosso lugar no mundo, a maioria com todos os atravancos, dando com a cara na porta e quebrando a cabeça até ou serem aceitos ou se persuadirem de que alguma coisa definitivamente não se encaixa e é mister continuar essa busca noutra parte. Frequentemente, chega-se a tal entendimento não sem muita dor e depois de um tempo impressionantemente longo, mas há as situações em que, mantidos o pesar e a angústia, o tempo colabora e, feito se fosse uma tormenta de dimensões sobrenaturais que cede como que por encanto ao cabo de horas e horas de terror, alguma solução começa a se desenhar no horizonte. Exercitando uma confiança na vida que beira o desespero, o homem se deixa guiar por esses sinais, convicto de que os dias de busca e de dúvida estão em seus estertores e, então, merecidamente, virá não o final feliz dos contos de fadas, mas um recomeço, árduo, como todo recomeço, mas igualmente cheio de possibilidades. E malgrado a prudência recomende poupar a alegria e não cantar vitória antes de tudo muito bem amarrado, o peito se enche daquele sentimento sem nome, mas que qualquer um é capaz de identificar tão logo o sinta, e a vontade de se dizer feliz é simplesmente incontrolável.
Cairo Sweet aprendeu desde cedo que a arte vence a ditadura do tempo e se estende para além de nossa vã filosofia e de nossa exígua compreensão, e, enquanto houver alguma forma de vida pulsando no caos maravilhoso do universo, ela sempre haverá de existir. O problema fundamental do homem não é o avanço despótico das horas, mas encontrar um meio, por mais improvável que seja, de fazer-se-nos revelar o gozo onde alastra-se o desespero. O enganoso prólogo mostra Cairo cheia de incertezas, talvez apaixonando-se por Jonathan Miller, seu professor de escrita criativa do ensino médio, e mais tarde, esse sentimento muda-se num ódio latente que se derrama, depois de um trabalho escolar em que Cairo socorre-se da pena pornográfica de Henry Miller (1891-1980) para materializar a paixão doentia pelo outro Miller, Jonathan, seu professor. Bartlett tira o melhor de Jenna Ortega, uma das grandes atrizes de sua geração, e Martin Freeman, reservando para Bashir Salahuddin e Gideon Adlon a árdua missão de trazer leveza a uma narrativa assumidamente hermética. Poderia haver mais que isso, ainda que o saldo não seja dos piores.
Filme: A Garota de Miller
Direção: Jade Halley Bartlett
Ano: 2024
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 8/10