Instigante e inteligente, thriller de tribunal na Netflix concorreu a 6 Oscars Divulgação / Netflix

Instigante e inteligente, thriller de tribunal na Netflix concorreu a 6 Oscars

O filme “Os 7 de Chicago”, dirigido e roteirizado por Aaron Sorkin, representa um ponto de inflexão em sua carreira, evidenciando um amadurecimento significativo como cineasta e consolidando sua posição como um dos roteiristas mais habilidosos de Hollywood. Conhecido por trabalhos aclamados como “A Rede Social” e “Moneyball”, Sorkin fez sua estreia como diretor em “A Grande Jogada” (2017), mas é em “Os 7 de Chicago” que ele demonstra uma evolução notável. Neste longa, Sorkin une sua já característica maestria com diálogos intricados a uma narrativa visual que amplifica o impacto dramático da história.

Os diálogos, marca registrada do cineasta, são um ponto forte da obra. São mais do que simples conversas entre personagens: eles revelam as camadas internas de cada um, explorando questões pessoais e políticas com uma profundidade rara. Embora suas falas sejam frequentemente mais articuladas e intensas do que o que se vê na realidade cotidiana, essa característica estilística é um dos aspectos que torna o trabalho de Sorkin tão único. Ele consegue transmitir ideias complexas e dilemas morais com uma clareza e fluidez que mantêm o espectador engajado do início ao fim.

“Os 7 de Chicago” explora o infame julgamento de sete ativistas políticos em 1969, acusados de incitar tumultos durante a Convenção Nacional Democrata de 1968. O filme, lançado em 2020, num momento de intensas divisões políticas nos Estados Unidos, reflete sobre os paralelos entre aquele período turbulento da história e o clima de polarização do país sob a administração Trump. Sorkin não apenas narra os eventos históricos, mas utiliza a trama como uma lente para examinar a fragilidade da democracia e a manipulação do sistema judiciário como ferramenta de controle político.

A seleção de atores contribui para a força do filme. Eddie Redmayne interpreta Tom Hayden, um dos líderes estudantis, enquanto Sacha Baron Cohen surpreende como Abbie Hoffman, um provocador e figura emblemática do contracultura. O filme também destaca a presença de Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II), cofundador dos Panteras Negras, que foi dramaticamente separado dos demais réus pelo juiz Julius Hoffman, vivido de forma implacável por Frank Langella. A tensão entre os acusados e o sistema que os julga fica evidente na postura parcial do juiz e no conflito moral vivido pelo promotor interpretado por Joseph Gordon-Levitt, que percebe as injustiças por trás do processo.

Apesar de algumas liberdades dramáticas e de elevar os réus a uma posição quase heroica em determinados momentos, o filme oferece um equilíbrio eficaz entre ficção e realidade. A trama, carregada de momentos emocionantes e diálogos afiados, é uma reflexão contundente sobre os direitos civis, as divisões políticas e as táticas frequentemente sombrias usadas por governos para silenciar dissidências. Ao retratar esses eventos históricos, “Os 7 de Chicago” também lança um olhar sobre as profundas cicatrizes políticas que continuam a marcar a sociedade americana contemporânea.

A obra, disponível na Netflix, não se limita a ser um relato histórico, mas se posiciona como um comentário atual sobre as forças que ainda moldam o cenário político dos Estados Unidos. Assim como em 1969, quando os réus foram usados como bodes expiatórios de uma guerra ideológica, o filme questiona as maneiras pelas quais a justiça pode ser distorcida por interesses políticos. É uma peça cinematográfica envolvente e reflexiva, que, sem dúvida, convida a uma análise mais profunda dos direitos civis e das questões políticas em constante evolução.

Com um elenco estelar e uma direção segura, “Os 7 de Chicago” é uma aula de como dramas históricos podem ser relevantes para discussões contemporâneas. O roteiro, caracteristicamente denso e intelectualmente estimulante, desafia o espectador a refletir sobre questões de liberdade, justiça e o custo de lutar contra um sistema injusto. No fim, Sorkin apresenta um filme que vai além do entretenimento e ressoa como uma crítica mordaz à manipulação do poder e à fragilidade da democracia em tempos de crise.


Filme: Os 7 de Chicago
Direção: Aaron Sorkin
Ano: 2020
Gênero: Biografia/ Drama/ Suspense
Nota: 9/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.