Com Aaron Taylor-Johnson, suspense indicado a 153 prêmios incluindo o Oscar está na Netflix Merrick Morton/Focus Features

Com Aaron Taylor-Johnson, suspense indicado a 153 prêmios incluindo o Oscar está na Netflix

“Animais Noturnos” desafia qualquer tentativa de ser definido de forma concisa. Não é possível rotulá-lo apenas como excelente ou decepcionante. Na verdade, ele se destaca como uma das produções mais instigantes de 2016, e boa parte disso se deve à mente criativa de Tom Ford. Mais do que um estilista, Ford se reafirma como um artista multifacetado que explora, com uma sensibilidade única, as várias facetas da narrativa visual e emocional.

Após o sucesso com “Direito de Amar” (2009), muitos o viam como um visionário da moda que, cercado por uma equipe habilidosa, conseguira fazer sua transição para o cinema com estilo, mas sem o mesmo domínio técnico de diretores estabelecidos. No entanto, “Animais Noturnos” marca um ponto de virada, onde Ford não só refina sua estética, mas também impõe uma autoralidade inconfundível, capaz de provocar reações diversas.

O filme, por sua essência, é mais do que uma simples obra de entretenimento. Ao tentar transformar uma boa história em algo maior, Ford parece buscar um protesto, uma crítica enigmática sobre a própria natureza do cinema e da arte. No entanto, essa ambição não é isenta de riscos. Em alguns momentos, o filme perde seu ritmo ao tentar articular suas ideias em discursos simbólicos que podem parecer excessivos.

As cenas iniciais de “Animais Noturnos” certamente não passaram despercebidas. Corpos femininos nus, fora dos padrões estéticos normalmente exaltados pela moda, são apresentados de forma crua e deliberada. Esse contraste se torna ainda mais intrigante considerando a carreira de Ford, construída em torno da imagem de perfeição física nas passarelas e editoriais. A escolha de uma abordagem visual que confronta diretamente as expectativas do espectador tem o claro intuito de desconstruir ideias pré-estabelecidas de beleza e arte. As mulheres representadas são, de fato, símbolos de um ideal distorcido, transformadas em figuras quase divinas, envoltas em bandeiras e adereços de líderes de torcida, que brincam com pompons em uma espécie de paródia grotesca.

Essa sequência inicial, filmada em câmera lenta, tem um propósito além da mera provocação. Ela funciona como um choque intencional, forçando o público a questionar sua própria percepção do que é considerado aceitável ou moralmente correto. A exposição de arte de Susan, interpretada com precisão por Amy Adams, reflete esse mesmo conflito interno. Susan, uma curadora respeitada na esfera artística de Los Angeles, vive uma vida aparentemente glamourosa, mas por trás de sua fachada de sucesso, há uma profunda insatisfação. Seu casamento com Hutton (Armie Hammer) está em ruínas, e sua existência superficial parece ser sustentada por convenções sociais que já não lhe trazem mais sentido ou felicidade.

O ponto de virada no filme acontece quando Susan recebe um manuscrito de Edward Sheffield, seu ex-marido, interpretado com intensidade por Jake Gyllenhaal. O conteúdo do livro a desestabiliza profundamente, levando-a a confrontar questões pessoais e profissionais que ela havia tentado evitar. A narrativa então se desdobra em dois níveis: o presente de Susan e a história contada no romance de Edward, onde ele próprio aparece como Tony Hastings, um homem que vê sua vida virar de cabeça para baixo durante uma viagem com sua família.

A viagem ao Texas, que deveria ser tranquila, logo se transforma em um pesadelo. Tony, sua esposa Laura (vivida por Isla Fisher) e sua filha (Ellie Bamber) são vítimas de um ataque brutal liderado por Ray, interpretado de forma perturbadora por Aaron Taylor-Johnson. O suspense dessa sequência é um dos momentos mais tensos e bem executados do filme, mas também deixa em aberto a dúvida: até que ponto esses eventos fazem parte da ficção de Edward ou são projeções dos medos e arrependimentos de Susan?

À medida que o enredo avança, o filme revela suas camadas mais profundas, explorando a complexa relação entre Susan e Edward, e como suas escolhas passadas moldaram o presente. Ford, de forma inteligente, utiliza essa dinâmica para refletir sobre a natureza da arte e seu impacto na vida de quem a cria e de quem a consome. O filme levanta questões sobre o propósito da arte e até que ponto ela deve ser julgada por sua beleza ou por sua capacidade de provocar sentimentos.

Ford não oferece respostas fáceis. “Animais Noturnos” não é um filme que se encerra com uma conclusão clara. Pelo contrário, ele deixa o espectador imerso em um estado de reflexão, questionando o que foi real, o que foi imaginado e, mais importante, o que realmente importa quando se trata de arte e emoção humana. A verdadeira função da arte, sugere Ford, talvez não seja servir a um propósito utilitário, mas existir como uma força própria, inquestionável em seu impacto e significado.


Filme: Animais Noturnos
Direção: Tom Ford
Ano: 2016
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 8/10