Assistido por 145 milhões de assinantes, o suspense com Julia Roberts que está na lista dos 10 filmes mais vistos da história da Netflix Divulgação / Netflix

Assistido por 145 milhões de assinantes, o suspense com Julia Roberts que está na lista dos 10 filmes mais vistos da história da Netflix

Nos trabalhos de Sam Esmail, o cenário apocalíptico parece ganhar vida com precisão perturbadora. “O Mundo Depois de Nós” é uma obra que demonstra uma inclinação crescente para abordar temas que estão rapidamente dominando o imaginário coletivo, algo que, paradoxalmente, pode resultar em uma abordagem excessiva e contraproducente. Esmail, um diretor hábil, é mestre em unir o instinto autodestrutivo da humanidade com questões que afetam diretamente nossa sociedade, como o racismo, um conceito que desafia a lógica e deveria, em teoria, ter sido superado. Consciente de que não adianta alterar nomenclaturas sem mudar comportamentos, Esmail opta por uma abordagem direta e provocativa, amplificada pelo texto incisivo de Rumaan Alam, cujo romance serve de base para o filme. O resultado é inquietante.

A personagem central, Amanda Sandford, reflete um niilismo desconcertante que parece simbolizar o espírito da nossa era. Através de uma introdução que não denuncia seu profundo desprezo pela própria vida em um apartamento luxuoso no Brooklyn — ainda que este apresente sinais visíveis de deterioração —, ela surpreende ao expressar, em um monólogo afiado, seu desprezo por aqueles que buscam melhorar o mundo e a si mesmos. Julia Roberts entrega uma performance arrebatadora, dominando a narrativa ao longo dos 138 minutos do filme, com um olhar perdido que sugere um conhecimento sombrio sobre o que está por vir nos momentos finais, cuidadosamente orquestrados por Esmail.

A cinematografia de Tod Campbell, ao mesmo tempo vibrante e cautelosa, mantém o tom do filme equilibrado entre o sombrio e o satírico. Roberts, com sua interpretação precisa, dá vida ao roteiro com maestria. Quando Amanda comunica ao marido Clay, interpretado por um Ethan Hawke menos expressivo, que alugou uma mansão em Long Island para passar o fim de semana com os filhos Rose (Farrah Mackenzie) e Archie (Charlie Evans), fica claro que ela não está em seu estado emocional mais estável. Diante de um marido inerte, ela assume o controle total da situação, como se soubesse que suas decisões seriam as únicas a prevalecer.

A narrativa toma um rumo mais sombrio quando, após a instalação da família na mansão, uma série de eventos catastróficos começa a ocorrer. Primeiro, o sinal de internet desaparece, e pouco depois, um navio cargueiro afunda na praia próxima. Aos poucos, Esmail intensifica a atmosfera de desastre iminente, pontuada por um humor sarcástico que se perde gradualmente, dando lugar a reflexões mais profundas e diretas sobre o caos crescente. O clímax se desenrola quando um homem negro e sua filha batem à porta, afirmando ser os verdadeiros proprietários da casa e relatando que Nova York foi tomada por um apagão devastador, com as autoridades incapazes de controlar a situação.

Amanda, profundamente cética, recusa-se a acreditar que um homem negro pudesse ser dono da propriedade. No entanto, G.H. Scott, interpretado por Mahershala Ali, mantém a calma e a firmeza, enquanto Amanda, apesar de sua relutância, começa a ceder, embora seu racismo enraizado permaneça evidente, justificado por um desejo obsessivo de proteger sua família. Ruth, a filha de Scott, interpretada por Myha’la Herrold, complementa a autoridade tranquila do pai, agindo no momento certo para reforçar a tensão crescente entre as personagens.

Em uma mistura de críticas sociais e catástrofes apocalípticas, que remete a obras como “Não Olhe para Cima” de Adam McKay e os filmes de Jordan Peele como “Corra!” e “Não! Não Olhe!”, o final de “O Mundo Depois de Nós” se assemelha a uma conclusão de série televisiva, onde a humanidade revela seu lado mais grotesco, com um toque de humor macabro.


Filme: O Mundo Depois de Nós
Direção: Sam Esmail
Ano: 2023
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 9/10