O filme que levou 100 milhões de pessoas aos cinemas e faturou 2,6 bilhões acaba de chegar à Netflix Divulgação / Paramount Pictures

O filme que levou 100 milhões de pessoas aos cinemas e faturou 2,6 bilhões acaba de chegar à Netflix

Em “Além da Escuridão — Star Trek”, J. J. Abrams continua a surfar a onda infinita dos remakes, prequelas, reboots e quantos nomes mais se quiserem dar às reedições de histórias que tiveram o seu tempo e deveriam ter se submetido à passagem dos anos, mas que, pela força de propósitos outros que não os artísticos, voltam com carga redobrada para alegria dos fãs e de mais ninguém. O diretor sorve do enredo, sensação entre 1966 e 1969 quando “Star Trek” foi exibida como série pela NBC, todos os cacoetes que ainda fazem a cabeça de quem viveu aquela época e pôde acompanhar os desdobramentos, os mais afortunados pela televisão de casa mesmo, de uma mal-sucedida incursão de terráqueos numa certa paragem da via Láctea. 

Como já fizera em “Star Trek” (2009), Abrams repete a trama do seriado da NBC, sem o frescor impactante das tramas escritas por Gene Roddenberry (1921-1991) e sua bem-azeitada equipe. O texto de Roddenberry era marcado por uma genuína curiosidade de conhecer, de esticar a corda e inventar outras leis da fisica se necessário, tudo na honesta tentativa de explicar, por exemplo, um possível êxodo cronológico, argumento que continua a sustentar o longa de 2013. O roteiro, de Alex Kurtzman, Damon Lindelof e Roberto Orci, sofre de um engessamento até previsível, uma vez que não tem mesmo muito para onde correr. 

Por outro lado, Chris Pine e Zachary Quinto conferem uma natureza verdadeiramente exclusiva a “Além da Escuridão”, lembrando as interpretações de William Shatner e Leonard Nimoy (1931-2015), porém alcançando aquele tão necessário frescor em produções dessa natureza. Na introdução, na selva vermelha de um outro mundo, personagens fogem de uma ameaça até então desconhecida, e quem não assistiu ao longa anterior não absorve nada do que Abrams quer dizer. Aqui, James Tiberius Kirk, o capitão Spock e o restante da tripulação da Enterprise lutam contra John Harrison, um terrorista intergaláctico que enfrenta a Federação por razões que só ele mesmo conhece.

O diretor encaixa blagues metalinguísticas e discussões entre Jim Kirk e Spock enquanto os feixes de luz das batalhas entre espaçonaves cruzam a cena, aproveitando também para retroceder a alguns episódios de há sessenta anos, mostrando Jim como o garanhão incorrigível, ao passo que Spock aparece na pele de um tipo meio alheado, obsessivo com regras e levando tudo ao pé da letra, talvez portador do que hoje se conhece por transtorno do espectro autista, ainda que engate um namoro cheio de vaivéns com a tenente Uhura de Zoe Saldana.

Saltos narrativos mostram Londres e São Francisco no século 23, um tempo em que o pensamento submete-se a uma autocensura robótica, cabendo a tipos como Jim e Spock decidir o que pode ou não vir à superfície. Abrams brinca com esse conceito incluindo o comandante Pike de Bruce Greenwood, numa outra subtrama perturbadora sobre amizade, gratidão e honra. Quando o filme chega ao que de fato interessa, o cerco de Khan Noonien Singh à Enterprise, Benedict Cumberbatch mostra, afinal, quem é a estrela dessa jornada. Já não era sem tempo.


Filme: Além da Escuridão — Star Trek
Direção: J. J. Abrams
Ano: 2013
Gêneros: Ação/Ficção científica
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.