No vasto cenário da humanidade, poucos se destacam como sonhadores genuínos, indivíduos cujas visões utópicas parecem deslocadas em um mundo dominado pela indiferença ou pelo orgulho daqueles que se afundam em ações egoístas, sem qualquer remorso. É praticamente impossível imaginar uma vida com dignidade sem a presença desses poucos heróis, que, apesar das adversidades, nos protegem das armadilhas impostas por um ambiente claramente hostil à ingenuidade e à pureza de espírito.
Essas características, ainda que abundantes em número, frequentemente se veem ameaçadas pela crueldade humana. Como enfrentar a dura realidade de que, em muitas circunstâncias, é o mal que parece guiar boa parte das interações humanas? Esse comportamento tóxico emerge primeiro no seio familiar e, em seguida, contamina o ambiente de trabalho, espalhando-se para todas as esferas da vida, onde disfarça sua verdadeira natureza para se infiltrar até nos laços mais próximos e íntimos.
Como sobreviver a esse cenário? Refugiar-se em isolamento como um molusco retraído em sua concha ou encarar o cinismo, aceitando que a honestidade é rara, e submergir no obscuro mar da falsidade, sempre temendo encontrar obstáculos ocultos nas profundezas?
Em “O Protetor” (2014), Antoine Fuqua propõe uma reflexão sobre esses dilemas existenciais. Com a contribuição inestimável de seu protagonista, ele oferece uma perspectiva sobre o papel dos heróis modernos, especialmente aqueles que, embora exaustos, ainda encontram forças para enfrentar conflitos que só indivíduos como eles podem resolver. O roteiro elaborado por Richard Wenk traça com precisão a complexidade desse protagonista único, oferecendo momentos de rara profundidade filosófica e estética.
Contudo, é o talento incomparável de Denzel Washington que confere ao personagem a dimensão emocional necessária para dar vida a essa história. A atuação de Washington é impecável, sem jamais cair na obviedade; sua performance é meticulosamente calibrada, evitando o tédio e proporcionando ao público uma experiência imersiva. Seu trabalho é fundamental para que o filme atinja uma excelência que pode ser observada sob qualquer perspectiva crítica. O enredo se desenvolve de maneira envolvente, com surpresas bem colocadas e subtramas habilmente conduzidas, nas quais Washington se destaca com sua habilidade única de enriquecer cada cena.
A direção de Fuqua aproveita ao máximo o material rico fornecido por Wenk, superando as expectativas do público à medida que a trama central avança. O filme começa com uma epígrafe de Mark Twain (1835-1910), e o personagem de Robert McCall, vivido por Washington, inicialmente remete ao estilo sombrio e introspectivo de Travis Bickle, o icônico motorista de táxi interpretado por Robert De Niro em “Taxi Driver” (1976), de Martin Scorsese.
Contudo, ao longo dos primeiros minutos, a impressão inicial se dissolve: diferente do antissocial Bickle, McCall dedica seu tempo livre a reflexões sobre clássicos da literatura, como “O Velho e o Mar” de Hemingway, “Dom Quixote” de Cervantes e “O Homem Invisível” de H.G. Wells, revelando um temperamento que contrasta com o caos interno de Bickle.
A presença de Teri, uma prostituta menor de idade interpretada por Chloë Grace Moretz, surge quase por acaso na vida de McCall, tornando-se uma confidente temporária em busca de uma conversa calma antes de retomar sua rotina. Em um momento revelador, Teri oferece a melhor descrição de McCall: ele não é necessariamente triste, mas sim um homem que se perdeu ao longo do caminho.
O encontro com Teri reacende em McCall um lado que ele acreditava estar enterrado. Após descobrir que a jovem foi violentamente agredida, ele sente-se impelido a agir, incapaz de ignorar o sofrimento alheio. A narrativa se desenrola na Boston contemporânea, bem distante da Nova York dos anos 1970 de “Taxi Driver”. O que segue são algumas das cenas de ação mais habilidosamente coreografadas do cinema recente, nas quais Washington, em sua interpretação do protagonista, assume o papel de um vingador solitário, disposto a enfrentar sozinho uma quadrilha de mafiosos russos, utilizando um saca-rolhas como arma improvável.
Com um desfecho notavelmente feliz, “O Protetor” evita longas reflexões filosóficas, focando em proporcionar uma experiência visceral ao espectador. Durante os 132 minutos de projeção, que passam num piscar de olhos, Denzel Washington reafirma seu lugar como um dos maiores talentos de Hollywood, com uma performance que evoca a mesma energia de quando iniciou sua carreira, há décadas.
Fuqua, ao explorar o herói moderno em um ambiente de brutalidade e injustiça, entrega um filme que equilibra ação com nuances emocionais profundas. Com a ajuda do brilhante Washington e de um roteiro perspicaz, “O Protetor” vai além do gênero de ação típico, tornando-se uma meditação sobre moralidade, sacrifício e o preço da justiça em um mundo repleto de escuridão.
Filme: O Protetor
Direção: Antoine Fuqua
Ano: 2014
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 10