Prepare-se para 107 minutos de calafrios: o suspense da Netflix que vale cada milésimo de segundo do seu tempo Divulgação / Lionsgate

Prepare-se para 107 minutos de calafrios: o suspense da Netflix que vale cada milésimo de segundo do seu tempo

Alguns homens se tornam conhecidos por suas ações, enquanto outros deixam uma marca na História pelo que não realizam. “O Mistério do Farol” explora a razão pela qual a vida muitas vezes se revela implacável, gerando no espectador uma inquietante reflexão: será que, em situações similares, teríamos uma postura diferente? Mesmo quando acreditamos merecer, será que a vida não se mostra excessivamente severa?

Em 2018, o diretor dinamarquês Kristoffer Nyholm decidiu investigar a aura mítica de um evento real, o Mistério da Ilha Flannan, que é tanto intrigante quanto melancólico. Em 1900, o desaparecimento de três faroleiros nessa ilha, localizada ao largo da costa escocesa, despertou uma intensa curiosidade, pois continha todos os elementos típicos das narrativas de suspense que o cinema tão bem captura. Com um elenco que inclui três gerações de atores britânicos — dois escoceses e um inglês — Nyholm consegue extrair das reportagens da época um olhar mais profundo e revelador, tanto sobre a trama em si quanto sobre a condição humana.

Gerard Butler, Peter Mullan e Connor Swindells parecem se encaixar perfeitamente em seus papéis em “O Mistério do Farol”. A introdução do filme, talvez um pouco sucinta, não oferece ao público uma ideia clara de como era a vida dos três fora da ilha, mas eles se adaptam tão bem ao ambiente que habitam durante 107 minutos, até que uma reviravolta no roteiro escrita por Celyn Jones e Joe Bone altera o curso da narrativa. James, interpretado por Butler, é o único que realmente tem uma vida fora da ilha, casado com Mary (Emma King) e pai de Charlie. Thomas, vivido por Mullan, e Donald, por Swindells, parecem estar enredados na névoa impenetrável de Flannan: o jovem Donald, por sua inexperiência, e Thomas, por já ter perdido a esperança.

A atuação de Mullan é notável, com seu personagem retratando a dor de um veterano do farol, viúvo precoce de Cathy e pai de gêmeas, cujas vidas foram tragicamente ceifadas. A intensidade dramática de sua performance na cena em que acende velas em homenagem à sua falecida esposa e filhas logo no início do filme estabelece um entendimento profundo sobre quem é Thomas e por que ele age como age. A carga emocional de Butler, por outro lado, se revela plenamente apenas no clímax da história; até lá, James se destaca como a voz da razão e da maturidade em meio aos devaneios de Thomas e à ingenuidade de Donald, que é desafiado a desenvolver seu talento ao longo da trama, passando de um jovem inconsequente para um homem moldado pela amarga realidade.

A primeira grande reviravolta, com a chegada de um estranho e um baú, serve como um catalisador para que os protagonistas revelem suas verdadeiras essências, cada um reagindo de forma singular à urgência do momento. A segunda reviravolta desvenda as intenções obscuras que permeiam as ações de Thomas. O personagem de Mullan assume o comando da narrativa em “O Mistério do Farol”, demonstrando uma capacidade impressionante de oscilar entre a psicopatia e a maldade, instigando no espectador uma mistura de pena e culpa por duvidar de sua natureza. Seu semblante inofensivo, marcado por profundas rugas — Mullan, embora tenha apenas 62 anos, parece ter pelo menos uma década a mais — contrasta com a esperteza necessária para enganar Locke e Boor, interpretados por Søren Malling e Ólafur Darri Ólafsson, dois marinheiros que chegam à ilha em busca do desaparecido, apenas para serem iludidos por Thomas. Esse momento culmina em uma escalada de violência na narrativa, que explora o sobrenatural que permeia a história, insinuando a presença de uma maldição sobre a ilha, uma escolha visual poderosa feita por Nyholm para representar o mal.

Três homens isolados em uma ilha oferecem uma perspectiva clássica sobre a solidão, dado que ilhas são frequentemente vistas como espaços de reflexão, e a natureza humana é essencialmente introspectiva. O encontro entre Thomas, Donald e James parece uma combinação cósmica, onde cada um defende à sua maneira o direito à infelicidade. Eles encontram um momento de felicidade juntos, mas a fragilidade dessa relação se torna evidente quando um deles, o mais dominante, acaba por destruir a harmonia. Essa interação pode ser vista como uma metáfora de uma relação tóxica, onde a ilusão de transparência oculta as verdadeiras intenções, revelando que sempre há um “ás” na manga, pronto para mudar o jogo.

As atuações de Peter Mullan, Gerard Butler e Connor Swindells sustentam o filme até seu desfecho, apresentando performances que podem ser consideradas as mais significativas de suas carreiras. O desempenho de Mullan é revigorante, enquanto Butler busca redimir escolhas passadas, e Swindells se revela um dos atores mais promissores de sua geração, tendo ganhado destaque na série “Sex Education” (2019) como Adam Groff, um personagem de grande complexidade. É pelos olhos de Donald que o público se conecta com “O Mistério do Farol”, sendo levado a acreditar nas promessas de amizade paternal. O trabalho de Kristoffer Nyholm brilha ao abordar as sombras do ser humano, sem embelezar a realidade em um tempo em que o pessimismo em um mundo cruel é considerado uma falha de caráter sem redenção.


Filme: O Mistério do Farol
Direção: Kristoffer Nyholm
Ano: 2018
Gênero: Drama/Suspense
Nota: 10/10