Drama inteligente com Tommy Lee Jones, Kevin Costner e Ben Affleck, na Netflix Divulgação / Gaumont Distribution

Drama inteligente com Tommy Lee Jones, Kevin Costner e Ben Affleck, na Netflix

John Wells, criador de séries como “Plantão Médico”, “The West Wing” e “Maid”, também conquistou seu espaço no cinema, embora com menos frequência. Entre suas obras cinematográficas, destaca-se “A Grande Virada”, um drama com fortes nuances biográficas que ele escreveu e dirigiu, tratando da crise financeira que atingiu uma grande corporação americana.

Filmes que abordam temas como bolhas imobiliárias, colapsos em Wall Street e o funcionamento do mercado financeiro geralmente se ancoram em fatos reais. Isso se deve ao fato de que tanto o sucesso quanto o fracasso geram histórias inspiradoras. Nos Estados Unidos, um país com um sistema capitalista desenvolvido ao extremo, a competitividade é quase uma parte inata da cultura, ensinada desde cedo e internalizada pela população. Nesse ambiente, criar, empreender e lucrar são objetivos primários.

Estar no topo é uma ambição constante, e o capitalismo impõe uma lógica implacável: a vantagem de um é inevitavelmente a desvantagem de outro. Wells explora essa dinâmica ao contar a história de três homens que veem suas vidas devastadas pela recessão de 2010: Bobby Walker (Ben Affleck), Phil Woodward (Chris Cooper) e Gene McClary (Tommy Lee Jones). Esses executivos, antes confortáveis em seus cargos, enfrentam as duras consequências da crise.

Massachusetts serve como pano de fundo para a trama, que, de acordo com Wells, nasceu de uma experiência pessoal. A inspiração veio quando o cunhado do cineasta perdeu seu emprego após a fusão da empresa onde trabalhava com uma companhia suíça, o que resultou na demissão de 5 mil pessoas. Intrigado, Wells divulgou um anúncio online, convidando aqueles que passaram por situações semelhantes a compartilharem seus relatos. A resposta foi avassaladora, com milhares de e-mails chegando em sua caixa de entrada.

Na narrativa, Bobby é um executivo de colarinho branco em uma empresa de construção naval não militar. Com uma sólida formação acadêmica e um currículo impressionante, ele construiu uma vida confortável em um bairro de classe média alta, com carro importado e clube de golfe. Contudo, quando a empresa decide cortar centenas de empregos para melhorar seu balanço patrimonial em meio à crise financeira global, ele é um dos dispensados.

A estabilidade financeira que parecia inabalável desmorona abruptamente. Convencido de que encontraria outro emprego em poucos dias, Bobby passa meses desempregado, vendo seu padrão de vida desmoronar. O estilo de vida luxuoso dá lugar a uma realidade austera: ele perde a casa, o carro e muitos de seus privilégios. Humilhado, aceita um trabalho braçal na empresa de construção civil de seu cunhado, Jack (Kevin Costner). Enquanto Bobby enfrenta o declínio, o CEO da empresa anterior, Salinger (Craig T. Nelson), vê seus lucros aumentarem exponencialmente, apesar de ter despedido centenas de funcionários.

Gene McClary, um dos fundadores da companhia, também perde seu posto. No entanto, o impacto para ele é insignificante em termos financeiros, já que suas ações continuam a valorizar em Wall Street. Phil Woodward, por outro lado, é um veterano da empresa, tendo subido de operário a executivo, mas ao ser demitido aos 60 anos, se vê em desespero. Após dedicar a vida inteira à empresa, ele se vê sem perspectiva, com idade avançada e poucas chances de recomeçar. O filme segue a jornada desses três homens, expondo como a crise afeta suas vidas tanto no campo pessoal quanto no profissional.

Wells conduz o enredo de maneira perspicaz, oferecendo desfechos distintos para seus personagens. As narrativas variam entre o otimismo e o pessimismo, mostrando que uma crise dessa magnitude pode ter diferentes consequências, dependendo de diversos fatores. Alguns conseguem se reerguer, enquanto outros jamais se recuperam. O capitalismo, na visão de Wells, é uma máquina impiedosa, onde a recuperação depende de privilégios como cor, idade e educação. Aqueles menos favorecidos enfrentam o cenário mais desolador, com chances mínimas de superação.

“A Grande Virada” se apresenta como um drama político, mas sem se aprofundar em ideologias partidárias. Ao invés disso, a obra planta questionamentos na mente do público, incentivando-o a refletir sobre as injustiças e crueldades de um sistema econômico que privilegia poucos e marginaliza muitos.


Filme: A Grande Virada
Direção: John Wells
Ano: 2010
Gênero: Drama
Nota: 8/10