Baseado em best seller traduzido para 30 idiomas e lido por 20 milhões de leitores no mundo todo, filme na Netflix é lição de fé Divulgação / Summit Entertainment

Baseado em best seller traduzido para 30 idiomas e lido por 20 milhões de leitores no mundo todo, filme na Netflix é lição de fé

“A Cabana” surge como uma obra que desafia as fronteiras do imaginário popular sobre fé, sofrimento e o divino. Sob a direção de Stuart Hazeldine, o filme transforma a jornada espiritual de Mack Phillips, um homem devastado por uma tragédia familiar, em uma narrativa visualmente apelativa, mas, ao mesmo tempo, polarizadora. A proposta se apoia em dilemas existenciais profundos, explorando o eterno questionamento sobre o livre-arbítrio e a justiça divina. Contudo, ao adentrar nesse território místico, o longa se equilibra entre momentos de genuína emoção e uma abordagem que, por vezes, cai no melodrama.

A trama acompanha Mack, um pai aparentemente sereno, cuja vida vira de cabeça para baixo quando sua filha mais nova, Missy, desaparece em circunstâncias horríveis durante um passeio em família. O sequestro e assassinato da menina, perpetrado por um maníaco que já assombrava a região há anos, deixa cicatrizes profundas no protagonista, que, consumido pela dor e culpa, se isola emocionalmente de sua família. Esse evento devastador o leva a uma crise espiritual e a questionar a bondade e o poder de Deus. A narrativa, então, ganha seu eixo central quando Mack recebe um misterioso convite para visitar uma cabana, o cenário de seu maior pesadelo.

É nesse espaço que o enredo se desdobra de maneira peculiar. A cabana, aparentemente ordinária, se revela o ponto de encontro entre Mack e o divino. Entretanto, a forma como Deus é apresentado desafia expectativas. Octavia Spencer dá vida a uma versão carismática e maternal do Criador, enquanto Jesus é interpretado por Avraham Aviv Alush como um homem moderno, de aparência descontraída, e o Espírito Santo, por Sumire Matsubara, surge como uma figura etérea e quase despretensiosa. Essa diversidade na representação da Trindade parece um esforço deliberado para abarcar o maior número de visões e interpretações possíveis de Deus, o que, embora bem-intencionado, pode beirar a caricatura. O filme, assim, levanta uma questão que permanece no ar: até que ponto a pluralidade de representações do divino enriquece o discurso ou dilui sua profundidade?

Hazeldine, ao adaptar o romance de William P. Young, enfrenta o desafio de traduzir para o cinema um material densamente carregado de simbologia religiosa e emocional. Por um lado, o filme acerta ao trazer à tona a dor crua de um pai em luto, especialmente nos momentos em que Worthington, no papel de Mack, consegue transmitir uma vulnerabilidade que ecoa na audiência. Entretanto, à medida que a trama se desenrola, “A Cabana” vacila em manter o equilíbrio entre a reflexão genuína e o sensacionalismo. A sensação de que o filme tenta manipular emocionalmente o espectador com cenas carregadas de sentimentalismo pode afastar aqueles que buscam uma exploração mais sóbria e introspectiva do tema.

No centro da discussão está o velho e complexo debate sobre o livre-arbítrio e a existência do mal. A dor de Mack, intensificada pela culpa que carrega, serve como ponto de partida para uma série de diálogos filosóficos com Deus, Jesus e o Espírito Santo. A teodiceia — a tentativa de justificar a existência de Deus diante da presença do mal no mundo — é uma questão antiga, e o filme tenta abordá-la sem oferecer respostas fáceis. Mack, em sua dor, questiona por que Deus, se onipotente, permite que o mal prevaleça. A resposta, no entanto, se dá de forma ambígua, focando mais no crescimento pessoal do protagonista do que em uma solução teológica concreta.

Ainda assim, “A Cabana” encontra espaço para algumas surpresas, especialmente na forma como lida com o passado conturbado de Mack. A revelação de seu desejo de vingança contra o pai abusivo, a quem tentou envenenar, traz uma camada adicional de complexidade à sua jornada espiritual. Esse elemento não apenas expande a profundidade do personagem, mas também fortalece o tema da necessidade de perdão — tanto de si mesmo quanto dos outros. O embate entre a justiça divina e a justiça humana permeia toda a narrativa, e a solução oferecida, embora simplista para alguns, pode ressoar profundamente em outros.

No entanto, nem tudo é plenamente resolvido. A tentativa do filme de fechar sua mensagem com uma nota de otimismo e reconciliação pode parecer superficial, especialmente diante da magnitude da dor que explora. As belas paisagens e a atuação emotiva ajudam a sustentar o enredo, mas não são suficientes para encobrir a sensação de que a trama se esvazia em seus momentos finais.

“A Cabana” é uma obra que divide opiniões. Alguns espectadores podem se sentir tocados por sua mensagem de esperança e redenção, enquanto outros podem vê-lo como um exercício excessivamente sentimental e oportunista, mais alinhado aos livros de autoajuda do que à reflexão filosófica profunda. Mesmo assim, ao provocar discussões sobre a natureza do divino, a fé e o perdão, o filme cumpre, ao menos em parte, seu objetivo de desafiar o público a pensar além do óbvio.


Filme: A Cabana
Direção: Stuart Hazeldine
Ano: 2017
Gêneros: Fantasia/Thriller
Nota: 7/10