O filme da Netflix que vai acalmar sua alma e transformar completamente a maneira como você vê a vida Patrick Wymore / Netflix

O filme da Netflix que vai acalmar sua alma e transformar completamente a maneira como você vê a vida

A humanidade, em seus momentos mais desafiadores, frequentemente revela a complexidade de sua existência. Apesar de avanços tecnológicos impressionantes, negócios incrivelmente lucrativos e descobertas médicas que transformaram doenças fatais em problemas gerenciáveis, o ser humano persiste em práticas autodestrutivas. A ciência, a medicina, a arte e a arquitetura continuam a oferecer ferramentas para aprimorar a humanidade, mas ainda assim, muitos países enfrentam guerras — às vezes até mesmo contra seu próprio povo — e a desigualdade na distribuição de renda permanece uma ferida aberta. Enquanto isso, uma parcela significativa da população luta para sobreviver, sem ter sequer o básico para se alimentar. Esse cenário reforça a noção de que o homem, em sua essência, continua sendo seu maior adversário. Ainda incapaz de encontrar a cura para muitas de suas enfermidades, a humanidade gasta tempo e energia perseguindo e discriminando aqueles que considera diferentes, sem reconhecer a efemeridade da vida e, por vezes, a completa ausência de lógica nela.

“Paddleton” (2019) se apresenta ao público com a promessa de uma comédia, mas rapidamente deixa claro que é um tipo de humor que lida com as questões mais profundas da vida. Mike, interpretado por Mark Duplass, recebe uma notícia devastadora: ele foi diagnosticado com câncer de estômago em estágio avançado. Seu amigo de longa data, Andy, vivido por Ray Romano, tenta lidar com a situação da melhor maneira possível, embora fique tão abalado quanto Mike. A amizade entre os dois é o centro da narrativa, um vínculo que se fortaleceu ao longo dos anos, compensando a falta de laços familiares significativos. Juntos, eles criaram uma vida simples e previsível, alimentada por rituais como comer pizza congelada, assistir a filmes de kung-fu e praticar paddleton, um jogo que eles mesmos inventaram. Esse cotidiano tranquilo, apesar de sua monotonia, oferece uma sensação de estabilidade que, no entanto, é abalada pela incerteza do futuro de Mike.

O filme, dirigido por Alexandre Lehmann e coescrito com Duplass, é uma narrativa intimista que explora de forma delicada a relação entre os dois protagonistas. A trama se concentra quase exclusivamente no que eles representam um para o outro, evitando distrações externas e mantendo o foco nas suas interações. A decisão de Mike de pôr fim à sua vida antes que a doença o consuma completamente é tratada com sensibilidade, levantando questões éticas complexas tanto para ele quanto para Andy. O dilema moral que surge entre eles transcende qualquer discussão simplista sobre certo ou errado. O espectador é convidado a ponderar as motivações de ambos, que lidam com o fim iminente de formas diferentes, mas igualmente carregadas de emoção.

A atuação de Duplass, que traz uma serenidade tocante ao papel de Mike, eleva a narrativa a um nível mais profundo, enquanto Romano, com sua performance igualmente notável, personifica o dilema de alguém que tenta equilibrar o respeito pela autonomia do amigo com sua própria dor e desconforto diante da perda iminente. A relação entre os dois transcende qualquer categorização convencional de amizade ou companheirismo, subvertendo clichês tanto no campo da comédia quanto da tragédia. A decisão de Mike de controlar sua própria saída da vida é uma escolha que ele acredita ser exclusivamente sua, independentemente do amor que sente por Andy. Essa convicção gera um desconforto inevitável, levando o público a questionar se o sacrifício que Andy está prestes a fazer, ao apoiar seu amigo até o fim, é um ato de lealdade ou uma forma de resignação.

À medida que o filme avança, ele aprofunda os laços entre os dois personagens, levando-os a confrontar seus sentimentos de maneira direta e sincera. O espectador é transportado para uma jornada emocional que desafia a simplicidade da narrativa e explora as nuances da vulnerabilidade humana diante da morte. A viagem que Mike e Andy fazem juntos se torna um rito de passagem, um último esforço para criar novas memórias em meio à certeza de que o tempo de Mike está acabando. As cenas finais capturam o que há de mais belo e doloroso em sua amizade: a aceitação da inevitabilidade da perda, mas também a reafirmação de que o amor entre eles é real e profundo, mesmo quando não conseguem expressá-lo completamente.

Romano e Duplass protagonizam uma das dinâmicas mais autênticas vistas recentemente no cinema, e o equilíbrio que mantêm entre o humor e a tragédia é notável. Romano, com sua atuação reservada, exibe um controle impecável sobre a tensão emocional de seu personagem, enquanto Duplass encarna a aceitação serena do fim. Esse equilíbrio é o que torna “Paddleton” um filme tão impactante: ele não se limita a uma exploração superficial do tema da morte, mas mergulha na complexidade das emoções humanas, oferecendo um retrato honesto de amizade, perda e, sobretudo, de amor.

Ao final, “Paddleton” emociona profundamente sem nunca se tornar melodramático. Lehmann entrega uma obra que é, em última análise, um lembrete poderoso da transitoriedade da vida e da importância de expressar nossos sentimentos enquanto ainda temos tempo. O filme deixa uma mensagem clara: viver plenamente significa reconhecer a impermanência de tudo ao nosso redor e valorizar as conexões que fazemos, por mais breves que sejam.


Filme: Paddleton
Direção: 
Alexandre Lehmann
Ano: 
2019
Gênero: 
Drama/Comédia
Nota: 10