O filme obrigatório da Netflix: baseado na obra-prima de Elena Ferrante, vencedor do Festival de Veneza e indicado a 3 Oscars Divulgação / Netflix

O filme obrigatório da Netflix: baseado na obra-prima de Elena Ferrante, vencedor do Festival de Veneza e indicado a 3 Oscars

Muitas vezes, acreditamos que nossos segredos nos definem, mas quando esse manto de mistério se torna a única característica marcante, algo está profundamente errado. Esse é o dilema de Leda Caruso, a professora de literatura comparada interpretada por Olivia Colman, que se encontra submersa em suas memórias. Talvez existisse uma saída para algumas de suas dores, mas Leda não parece interessada em buscar uma solução. Presa ao passado que já perdeu há tempos, ela hesita entre afundar nas lembranças dolorosas ou enfrentar a realidade, uma alternativa dura, mas que ao menos carrega consigo a promessa de transformação. A protagonista de “A Filha Perdida” é uma mulher à beira do colapso, paralisada por um desespero que a impede de seguir em frente.

A versão de Maggie Gyllenhaal, lançada em 2021, do romance de Elena Ferrante, é um impressionante primeiro passo da atriz no mundo da direção. Publicado em 2006, o livro narra a trajetória de uma mulher fragmentada, incapaz de lidar com as duras verdades de sua vida. Gyllenhaal segue essa linha, explorando as contradições internas de Leda com a mesma ousadia que Ferrante, buscando, sem medo, compreender o âmago do sofrimento da personagem. Ferrante abre seu romance com uma Leda autodestrutiva, e a adaptação cinematográfica não se afasta desse retrato de uma mulher consumida por suas próprias obsessões, cujos impulsos descontrolados são seguidos por momentos de arrependimento profundo, criando um ciclo vicioso de autossabotagem.

Elena Ferrante, um pseudônimo enigmático que esconde a verdadeira identidade de uma autora napolitana, constrói uma Leda que tenta escapar de sua realidade ao se refugiar em uma cidade costeira grega. Ali, a personagem de Colman tenta, sem muito sucesso, usufruir de uma paz temporária, cercada pelo conforto da leitura e pela beleza do local. No entanto, sua tranquilidade é rapidamente interrompida pela chegada de uma família barulhenta e invasiva, cujo comportamento rude a tira do eixo. Leda, com sua personalidade volátil, logo se vê intrigada por Nina, uma jovem mãe interpretada por Dakota Johnson, que desperta nela memórias e sentimentos não resolvidos. O confronto com a cunhada de Nina, Callie, interpretada por Dagmara Dominczyk, apenas intensifica as tensões.

A relação com a maternidade, central para a narrativa, é explorada de maneira visceral. Callie representa a maternidade plena, com todas as renúncias e sacrifícios envolvidos, enquanto Nina e Leda são retratadas como figuras que lutam com seus papéis como mães. É nesse contexto que surgem as memórias de Leda, reveladas através de flashbacks em que Jessie Buckley assume o papel da jovem Leda, oferecendo uma atuação tão intensa quanto a de Colman. Esses momentos do passado mostram uma mulher dividida entre sua carreira emergente e as demandas da maternidade, capturando com precisão a angústia de alguém que tenta equilibrar dois mundos irreconciliáveis. Leda, ao se ver incapaz de suportar as pressões de ambos, toma uma decisão drástica que mudará sua vida para sempre.

Maggie Gyllenhaal faz uma escolha corajosa ao mergulhar fundo na complexidade de uma personagem que parece incapaz de se salvar. Essa audácia não passou despercebida pela crítica, e a Academia costuma valorizar diretores que se arriscam dessa maneira, especialmente em seus primeiros projetos. Independentemente de prêmios, o filme de Gyllenhaal se destaca como uma das obras mais incisivas sobre os conflitos internos que todos, em algum momento, enfrentamos.


Filme: A Filha Perdida
Direção: Maggie Gyllenhaal
Ano: 2021
Gêneros: Drama
Nota: 9/10