Perfeito para fãs de Agatha Christie, filme de detetive já foi visto por 140 milhões de assinantes, na Netflix John Wilson / Netflix

Perfeito para fãs de Agatha Christie, filme de detetive já foi visto por 140 milhões de assinantes, na Netflix

Com o passar dos anos, à medida que a maturidade se instaura, fica evidente que os laços formados na infância são, muitas vezes, os mais resilientes frente às complexidades e descompassos da vida. A combinação dessa magia com os desejos humanos — mesmo que forçados a seguir em caminhos separados — resulta em algo novo e indescritível, um mistério emocional que jamais se extingue.

No entanto, essa profundidade não se aplica aos personagens de “Glass Onion: Um Mistério Knives Out”. No segundo filme dessa franquia promissora, Rian Johnson mantém a essência de um suspense mordaz, explorando de maneira afiada a frivolidade dos ricos entediados, que se envolvem em jogos perigosos e fúteis, tentando, sem sucesso, escapar de sua insignificância.

Inspirando-se na canção dos Beatles, o roteiro de Johnson revela as diversas camadas, aparentemente transparentes, das interações humanas, onde as pessoas se especializam em absorver e distorcer qualquer luz ao seu alcance, convertendo-a em pura malevolência. Como é esperado de Johnson, sua homenagem à obra de Agatha Christie é clara e ao mesmo tempo inovadora, carregada de toques cômicos que adicionam leveza à narrativa sem comprometer o mistério.

Christie, a Dama do Crime, dificilmente teria objeções a esse equilíbrio entre humor e suspense. Assim como no primeiro filme da franquia, Johnson brinca com as expectativas do gênero, desestabilizando as convenções e preocupando-se menos com quem será o culpado e mais com o momento em que a revelação do assassino ocorrerá — e, curiosamente, esse assassino ainda não existe no início da trama.

No primeiro filme, lançado em 2019, o crime central envolvia o assassinato de Harlan Thrombey, um renomado escritor de romances policiais, morto em sua própria mansão aos 85 anos. O personagem de Benoït Blanc, o sofisticado detetive interpretado por um Daniel Craig cada vez mais refinado, retorna para resolver mais um mistério. Desta vez, Blanc é convidado a participar de uma reunião excêntrica com indivíduos cujas personalidades são tão desordenadas quanto seus pensamentos.

Mesmo com a introdução de novas camadas de sátira social, o filme preserva a crítica ácida que permeia a obra de Johnson, especialmente na representação da personagem Birdie Jay, vivida por Kate Hudson. A socialite fútil e intelectualmente limitada usa suas festas extravagantes e incendiárias como uma fuga de sua realidade vazia, enquanto nas redes sociais, desliza entre a ignorância e o racismo, criando um retrato tragicômico da alienação contemporânea.

Nesse cenário caótico, a personagem de Janelle Monáe, Cassandra Brand, emerge como uma espécie de consciência do grupo, dedicando-se a revelar segredos bem guardados e desenterrar esqueletos que todos prefeririam manter escondidos. Monáe entrega uma performance que adiciona um contraste necessário ao cenário de excessos e superficialidades dos demais personagens, trazendo uma gravidade que eleva a narrativa.

Se há uma crítica a ser feita a “Glass Onion: Um Mistério Knives Out”, talvez seja sua duração. O tempo dilatado da exibição pode fazer com que o público se veja elaborando teorias incessantes sobre como o desfecho será costurado. No entanto, esse pequeno deslize pode ser facilmente corrigido em uma próxima aventura de Benoït Blanc, que certamente não tardará em ser anunciada.


Filme: Glass Onion: Um Mistério Knives Out
Direção: Rian Johnson
Ano: 2022
Gêneros: Thriller/Crime/Comédia
Nota: 9/10