O caminho humano é permeado por experiências distintas para cada indivíduo, algumas delas carregadas de prazer, enquanto outras são marcadas pela solidão. No entanto, essa última sensação parece ser um traço universal. Todos, em algum momento, experimentam a sensação de estarem deslocados, como se o mundo ao redor fosse uma peça que nunca se ajusta perfeitamente às suas próprias formas e expectativas. Essa impressão de inadequação pode remontar ao instante em que chegamos ao mundo, como se viéssemos ao mundo com características incomuns, partes extras do corpo, e que por algum descuido no processo de adaptação à vida, essas partes fossem removidas, deixando-nos com uma sensação de ausência permanente.
Foi essa metáfora que Platão, o filósofo grego, utilizou para descrever a constante busca do ser humano por uma conexão que o complete. Em “O Banquete”, uma de suas obras mais influentes, escrita por volta de 380 a.C, Platão discorre sobre a ausência do amor e como essa ausência perturba a alma humana. Mesmo quando não percebemos imediatamente essa falta, ela se manifesta no desejo de ter alguém com quem possamos compartilhar momentos, mesmo que sejam banais, como comentar as manchetes do jornal do dia. Platão ilustra essa busca de forma poética, utilizando mitos e narrativas para ressaltar que o amor vai além da mera companhia, representando uma parte fundamental da experiência humana.
É interessante notar como Platão continua a influenciar a cultura contemporânea, sendo citado até em filmes de comédia romântica. Por exemplo, a produção “Você Nem Imagina” (2020), dirigida por Alice Wu, faz uma releitura da metáfora platônica. Da mesma forma, o filme “Um Match Surpresa” (2021), de Hernán Jiménez, ecoa a ideia central de Platão ao narrar a história de Natalie Bauer, uma escritora de um pequeno jornal de Los Angeles, interpretada por Nina Dobrev.
Especialista em compartilhar suas experiências românticas fracassadas, Natalie vive à procura de um parceiro ideal que atenda aos seus rigorosos padrões. A trama se desenrola quando ela acredita ter encontrado sua alma gêmea após uma série de trocas de mensagens online com Josh (Jimmy O. Yang), mas, ao viajar até a pequena cidade de Lake Placid, descobre que ele havia utilizado as fotos de outro homem, Tag (Darren Barnet), para impressioná-la.
O filme explora, de forma leve e divertida, as confusões e desencontros que surgem no âmbito das relações amorosas. A narrativa se concentra na jornada de Natalie e Josh, evidenciando como as expectativas, muitas vezes construídas em torno de padrões estéticos e culturais, podem ser frustradas. Natalie, uma mulher cosmopolita e moderna, representa o contraste com Josh, um jovem modesto, nascido e criado em uma pequena cidade, sem grandes ambições e com laços familiares fortes. O desencontro entre suas visões de mundo é o motor das situações cômicas e emocionais que permeiam o filme.
Ao abordar a questão das expectativas e dos padrões de beleza, o filme destaca as barreiras culturais e pessoais que muitas vezes impedem as pessoas de se conectarem verdadeiramente. A recusa inicial de Natalie em aceitar Josh como ele realmente é, motivada por suas preferências superficiais, ilustra essa problemática. Josh, por sua vez, consciente de suas limitações e inseguranças, recorre ao uso de uma imagem idealizada para tentar se aproximar de alguém que ele acredita estar fora de seu alcance.
Esse tema de desencontros amorosos não é novidade no cinema, e “Um Match Surpresa” ecoa elementos de clássicos como “Um Lugar Chamado Notting Hill” (1999), embora com distinções importantes. Ambos os filmes compartilham a ideia de que o amor pode ser encontrado nos lugares mais inesperados, mas enquanto a produção de Richard Curtis retrata o choque entre uma estrela de cinema e um homem comum, “Um Match Surpresa” foca nas diferenças culturais e pessoais entre seus protagonistas. Essas diferenças criam um pano de fundo para explorar questões como tolerância e aceitação, elementos presentes em muitas comédias românticas.
Um dos momentos marcantes do filme é a interpretação da canção “Baby, It’s Cold Outside”, um dueto que encapsula a tensão e a química entre os personagens principais. Embora a música tenha sido alvo de críticas no contexto atual, por ser considerada inadequada, ela é utilizada no filme de forma irônica, acrescentando uma camada de humor à relação entre Natalie e Josh.
Ao longo de seus 110 minutos, “Um Match Surpresa” entrega uma mensagem familiar, mas ainda assim relevante: o amor é um terreno imprevisível, e nem todos os que se aventuram nele estão destinados ao sucesso. Como nas palavras de Mateus, “muitos são chamados, mas poucos são escolhidos”. Essa lição, que ressoa tanto nas Escrituras quanto nas telas, nos lembra que o amor, assim como a vida, está repleto de surpresas, algumas das quais podem desafiar nossas próprias expectativas e nos forçar a reconsiderar o que realmente importa.
Filme: Um Match Surpresa
Direção: Hernán Jiménez
Ano: 2021
Gêneros: Romance/Comédia
Nota: 8/10