Tão poético quanto devastador, o filme mais brutal e comovente dos últimos anos te espera na Netflix

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A guerra, em sua essência, revela o pior da natureza humana, expondo limites inimagináveis de crueldade e devastação. Em um cenário de conflitos, é quando se testemunha a capacidade humana de aniquilar, frequentemente vitimando inocentes, destruindo cidades inteiras e submetendo povos aos caprichos de tiranos que ignoram conceitos de justiça e clemência. Para esses líderes, a única finalidade é a vitória, independente do preço.

Embora o exemplo mais recente de barbárie venha das ações militares da Rússia sob o comando de Vladímir Putin na Ucrânia, o foco aqui é a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), um capítulo sombrio da história que, mesmo após décadas, ainda provoca reflexões. É um período no qual a brutalidade foi desenfreada, com eventos que parecem ecoar até os dias de hoje, principalmente quando revisitados por meio do cinema. A sétima arte, ao trazer à tona essas histórias, tem o poder de relembrar, contextualizar e nos forçar a refletir sobre o impacto das atitudes humanas, muitas vezes intoleráveis. Quando fatos históricos não são devidamente resgatados, podem ser relegados ao esquecimento ou, pior ainda, tratados como simples abstrações.

Um exemplo vívido dessa brutalidade ocorreu em 21 de março de 1945, quando a Escola Francesa de Copenhague foi bombardeada. Este evento serve como um símbolo do limite entre a civilização e a barbárie. A princípio, o ataque era parte de uma missão maior, conhecida como Operação Cartago, liderada pela Força Aérea Real Britânica, que tinha como alvo o quartel-general da Gestapo na Dinamarca. O plano envolvia o uso de vinte aviões Mosquito, escoltados por trinta caças P-51 Mustang, com o objetivo de enfraquecer a ocupação nazista. Contudo, um erro de cálculo desviou o curso de uma bomba, que atingiu a escola, levando os outros pilotos a acreditarem que aquele era o alvo designado. O resultado foi devastador: 104 pessoas morreram, incluindo 86 crianças, transformando a operação em uma tragédia que ilustra os horrores imprevisíveis da guerra.

Este evento trágico é o foco do filme “O Bombardeio” (2021), dirigido por Ole Bornedal, que explora a complexidade da guerra na Dinamarca com profundidade e sensibilidade. O pano de fundo do filme é enriquecido pelo relacionamento entre Frederik, um soldado nazista interpretado por Alex Høgh Andersen, e Teresa, uma noviça vivida por Fanny Bornedal, filha do diretor. Através dessa narrativa, o filme oferece uma visão didática e acessível da ocupação alemã na Dinamarca, país invadido em 9 de abril de 1940. Inicialmente, a Dinamarca manteve uma administração conjunta com a Alemanha nazista, mas essa parceria foi dissolvida em 29 de agosto de 1943, por ordem de Hitler, que preservou apenas a independência do exército dinamarquês.

Frederik, que abraça desde cedo os ideais nazistas, ascende rapidamente nas fileiras da ocupação, participando ativamente de sessões de tortura de seus compatriotas. Esse comportamento, no entanto, gera um profundo sentimento de vergonha e revolta em sua família, especialmente em seu pai. O dilema moral de Frederik é evidente, e Andersen transmite com maestria o conflito interno de seu personagem, que reconhece a imoralidade de suas ações, mas é incapaz de desafiar o regime que oprime seu próprio povo. O relacionamento entre Frederik e Teresa, desenvolvido durante a perseguição a um dissidente do regime, reflete os dilemas de ambos os personagens. Teresa, dividida entre sua fé religiosa e dúvidas existenciais, tenta convencer Frederik de que ele está do lado errado da história. Sua atração por ele se complica pelo conflito com sua vocação religiosa, e essa tensão entre o desejo e o dever é habilmente trabalhada pelo diretor, que usa essa relação como uma metáfora para a irracionalidade da guerra.

Paralelamente à história principal, o filme destaca a inocência da infância, representada pela amizade de três crianças: Rigmor, Eva e Henrik. Este último, traumatizado a ponto de perder a fala após um choque emocional, personifica a resiliência e a pureza que ainda podem existir mesmo nos momentos mais sombrios. As interações dessas crianças são um lembrete da beleza da vida que, de alguma forma, persiste em meio ao caos, protegida pela esperança e otimismo inerentes à juventude.

Nos dois anos que se seguiram ao bombardeio, até o final da Segunda Guerra Mundial em 2 de setembro de 1945, a Operação Cartago continuou a causar destruição em territórios que antes eram neutros, como a Dinamarca e a Noruega, resultando em mais de 6 mil mortes e centenas de feridos. “O Bombardeio”, de Ole Bornedal, resgata esses detalhes muitas vezes esquecidos da guerra na Dinamarca, sublinhando a importância de se manter vigilante na preservação da paz. Contudo, quando a paz é ameaçada, a lição que o filme nos deixa é clara: a resistência, mesmo armada, pode ser necessária para restaurá-la.


Filme: O Bombardeio
Direção: Ole Bornedal
Ano: 2021
Gênero: Guerra/Drama
Nota: 9/10