A tradição da literatura de terror tem raízes profundas, especialmente na literatura ocidental. Obras que exploram o medo, o grotesco e o sobrenatural remontam a autores como Mary Shelley, com “Frankenstein”, e Bram Stoker, com “Drácula”, cujo impacto vai além da literatura, estendendo-se a outras formas culturais. Nomes como Edgar Allan Poe e H.P. Lovecraft consolidaram um imaginário literário centrado no horror psicológico e cósmico, transformando o gênero em uma ferramenta poderosa para examinar as ansiedades sociais e individuais. No entanto, o Brasil, com uma tradição literária mais inclinada ao regionalismo, modernismo e realismo social, nunca desenvolveu uma escola de literatura de terror consistente.
Essa ausência de uma tradição consolidada do gênero de terror na literatura brasileira, ao longo do século 20, reflete uma sociedade mais ocupada em retratar a realidade imediata e os dramas do cotidiano do que em explorar os aspectos sombrios da mente humana ou do sobrenatural. Ao contrário de seus pares internacionais, autores brasileiros raramente se aventuraram em territórios onde o medo psicológico e o grotesco pudessem emergir como forças centrais de suas narrativas. Mesmo nomes consagrados da literatura fantástica, como Murilo Rubião e José J. Veiga, ainda mantiveram uma certa distância do terror puro, preferindo o surrealismo e o insólito.
Nesse contexto, Raphael Montes surge como uma exceção significativa. Sua obra, que dialoga com o terror e o suspense, é uma tentativa louvável de inserir o Brasil nesse gênero global, preenchendo uma lacuna na nossa produção literária. Montes não apenas aborda temáticas tipicamente associadas ao terror, como a violência, a paranoia e a morte, mas também insere esses elementos no cenário brasileiro, um território raramente explorado por esse viés narrativo. Em livros como “Suicidas” e “Dias Perfeitos”, ele apresenta ao público uma abordagem que mescla o thriller psicológico com o horror contemporâneo.
No entanto, por mais que Montes tenha trazido contribuições relevantes para o cenário literário brasileiro, sua obra ainda apresenta fragilidades que não podem ser ignoradas. Uma delas é a dependência excessiva de fórmulas narrativas tradicionais do terror e do suspense, que, embora eficazes, muitas vezes caem na previsibilidade. Em vários momentos, seus enredos recorrem a clichês do gênero, o que enfraquece a profundidade psicológica dos personagens e limita o impacto emocional que poderia ser explorado. Montes, ao optar por caminhos conhecidos, evita riscos que poderiam elevar sua obra a um patamar mais inovador.
Outro aspecto que revela uma fragilidade na produção de Raphael Montes é a superficialidade com que ele constrói suas ambientações. Embora o autor se destaque por um bom ritmo narrativo e diálogos rápidos, muitas vezes seus cenários e contextos carecem de uma construção mais elaborada. A ambientação é um elemento-chave no terror, pois é capaz de ampliar o sentimento de inquietação do leitor. Entretanto, em muitas de suas histórias, o cenário é meramente funcional, sem o peso simbólico e atmosférico que encontramos em clássicos do gênero, como nas obras de Stephen King, por exemplo, onde os lugares são quase personagens, mesmo que, estilisticamente, King não seja exatamente aquilo que esperamos de uma grande literatura.
Adicionalmente, há uma questão de profundidade ética e social nos personagens e tramas de Montes que, em muitos casos, parece negligenciada. Suas narrativas, embora intrigantes e com reviravoltas impactantes, nem sempre desenvolvem com complexidade as motivações e dilemas de seus protagonistas. Isso faz com que os conflitos morais e psicológicos, centrais no terror psicológico, apareçam de forma rasa ou mecanicamente explorada, privando o leitor de um mergulho mais profundo nas questões que realmente aterrorizam.
A influência de Montes em obras internacionais também é perceptível, e isso, por um lado, denota um conhecimento das convenções do gênero; por outro, acaba por criar uma sensação de derivação. Seus livros são muitas vezes comparados com thrillers psicológicos e histórias de terror europeias ou norte-americanas, e há uma falta de particularidade ou de uma “voz brasileira” que poderia enriquecer sua literatura. Ao se afastar das singularidades culturais e sociais do Brasil, o autor perde a chance de explorar o terror sob um viés mais original e autêntico, que, paradoxalmente, poderia diferenciá-lo no cenário mundial.
Contudo, é inegável que Raphael Montes contribui para a diversificação da literatura brasileira. Mesmo com as fragilidades apontadas, ele tem sido capaz de atrair leitores que, talvez, nunca teriam se interessado pelo gênero, além de inspirar uma nova geração de escritores que podem seguir os seus passos. A crítica a ele, portanto, deve ser ponderada, reconhecendo suas conquistas e seu papel em um campo ainda pouco explorado no Brasil, ao mesmo tempo que se aponta a necessidade de evolução e de superação das limitações de suas obras.
O desafio de Raphael Montes, daqui para frente, reside em como ele pode transcender essas fragilidades e se firmar como uma voz inovadora no gênero, sem perder de vista a originalidade e o contexto brasileiro. O terror, afinal, é uma linguagem universal, mas suas manifestações podem (e devem) dialogar com o local, com o tempo e com a história. O sucesso de Montes será medido não apenas pela sua habilidade de chocar ou assustar, mas também pela profundidade com que seus textos podem ressoar em um público mais amplo e exigente.
O sucesso de Raphael Montes não se deve apenas à qualidade intrínseca de sua obra, mas também ao forte apelo midiático que seus livros recebem. As editoras têm sido fundamentais na promoção de seus romances, investindo pesado em marketing e na construção de uma imagem pública do autor como um “novo nome do terror brasileiro”. Esse esforço publicitário não é incomum no mercado literário contemporâneo, onde o sucesso de um autor depende, em grande parte, de sua presença em redes sociais, eventos e aparições públicas. Montes, consciente dessa dinâmica, soube aproveitar esse cenário a seu favor, o que catapultou sua carreira a níveis que vão além da mera apreciação crítica.
Além disso, o trânsito de Montes entre figuras célebres da cultura de massa, seja no cinema, na televisão ou em eventos literários de grande porte, contribuiu significativamente para sua popularidade. Ele estabeleceu uma ponte entre o nicho literário do terror e o mainstream cultural brasileiro, fazendo com que seu nome circulasse entre um público muito mais amplo do que o habitual para autores de gêneros específicos. A adaptação de suas obras para o audiovisual, por exemplo, ajudou a ampliar seu alcance e consolidá-lo como uma figura midiática. Essa exposição constante em diferentes plataformas criou uma aura de relevância em torno de sua produção, fortalecendo sua presença no imaginário popular.
Entretanto, essa exposição midiática, embora benéfica para a difusão de sua obra, levanta questões sobre até que ponto o sucesso de Raphael Montes se sustenta pela qualidade literária ou pela força de sua imagem pública. Em muitos casos, autores que transitam bem entre as esferas midiática e cultural ganham destaque não necessariamente por trazerem inovações estéticas ou temáticas, mas por conseguirem se posicionar como figuras públicas influentes. Esse fenômeno é particularmente relevante no caso de Montes, cuja literatura, embora repleta de méritos, parece se beneficiar desproporcionalmente da maquinaria de marketing que a acompanha.
Isso faz de sua literatura um fenômeno midiático, antes de ser um fenômeno puramente literário. Embora seus livros sejam bem escritos e tenham apelo, o que os transforma em best-sellers é o aparato midiático que os cerca. Montes não é apenas um escritor, mas um produto cultural que trafega entre os circuitos literários e o entretenimento de massa. Seu sucesso exemplifica como, na contemporaneidade, o mercado editorial e a mídia podem colaborar para transformar um autor em um ícone, mesmo que sua obra ainda apresente fragilidades estruturais e estilísticas que poderiam ser mais discutidas pela crítica literária tradicional.
Essa dinâmica midiática, que mistura a popularidade com a qualidade, coloca Raphael Montes em uma posição singular na literatura brasileira contemporânea. Seu impacto, portanto, deve ser analisado sob duas óticas: a do autor que trouxe o terror para o cenário brasileiro e a do fenômeno midiático que sua imagem se tornou. Esse equilíbrio entre mídia e literatura levanta discussões importantes sobre os caminhos da literatura de gênero no Brasil e até que ponto a visibilidade pode ofuscar ou potencializar a criação literária.
Confesso que não sou um especialista na obra de Raphael Montes. Li apenas três de seus livros, mas tenho uma simpatia por sua figura e por aquilo que ele representa no cenário literário brasileiro. Minhas críticas não têm o intuito de desqualificá-lo como autor, mas sim de chamar os leitores para uma leitura mais crítica, que valorize tanto o entretenimento quanto a qualidade literária. Ao apontar fragilidades, espero contribuir para que sua obra, que já tem um grande valor, possa evoluir com o tempo e se consolidar de forma ainda mais sólida no futuro.
Vejo Raphael Montes com otimismo. Ele é um autor que, mesmo com as limitações, tem um grande potencial para crescer e se afirmar como uma das vozes mais interessantes da literatura de gênero no Brasil. Seus livros são, sem dúvida, uma leitura prazerosa, que tem o mérito de atrair jovens para o hábito da leitura, algo que é extremamente valioso nos dias de hoje. Em um mundo em que muitos jovens se veem mais atraídos por figuras de músicos ou influencers de qualidade duvidosa, é bom que Montes consiga criar essa ponte entre a literatura e a cultura de massa de forma mais saudável.
O fato de que a juventude esteja aprendendo a gostar de um escritor, em vez de idolatrar apenas celebridades passageiras, é um ganho imenso para a nossa cultura literária. Montes pode ser um autor inicial para muitos jovens que, ao mergulhar em seus thrillers, acabam descobrindo o prazer de ler e, a partir disso, podem se interessar por obras mais complexas e profundas. Há, portanto, um papel didático em sua obra que não pode ser negligenciado. É, sem dúvida, positivo que ele tenha sucesso nesse aspecto, trazendo novos leitores para o mundo dos livros.
Por isso, recomendo fortemente a leitura de suas obras. Mesmo com as críticas que faço, seus livros têm muito a oferecer. Este texto, aliás, não se pretende um artigo crítico como aqueles que estou acostumado a escrever. Trata-se, na verdade, de um pequeno “vício de professor”, um chamamento para que a moçada que já gosta dos livros de Montes não perca de vista a importância de ler de forma crítica, equilibrando o prazer da leitura com a reflexão sobre o que está sendo consumido.
Divirtam-se com as histórias, sintam o arrepio que o terror proporciona, mas não deixem de questionar, de refletir, de buscar qualidade e profundidade. Afinal, literatura é para isso: nos divertir, sim, mas também nos fazer pensar. Raphael Montes, com todas as suas qualidades e desafios, merece um lugar nas nossas estantes — e, sobretudo, no olhar atento e generoso de cada leitor.