O primeiro filme brasileiro a atingir o top 1 da Netflix na primeira hora de estreia Divulgação / Netflix

O primeiro filme brasileiro a atingir o top 1 da Netflix na primeira hora de estreia

Por cerca de três anos, Eliza Samudio (1985-2010) foi a mulher mais falada do Brasil. Eliza, uma garota pobre de Foz do Iguaçu, no extremo oeste do Paraná, foi para São Paulo em busca de alguma oportunidade de realizar o sonho de ser goleira de um grande clube, mas, ironicamente, o futebol entrou em sua vida por meios oblíquos — e esticando-se a corda, pode-se dizer que foi também o futebol que selou seu destino trágico. A documentarista Juliana Antunes relembra um caso sobre o qual a opinião pública brasileira ainda tece reflexões, contrariando um tanto o título de seu último longa. “A Vítima Invisível: O Caso Eliza Samudio” é um apanhado perturbador e estimulante (o que dá margem ao eterno conflito entre decoro e entretenimento) sobre um dos episódios mais bárbaros da longa história criminal do Brasil, feito de todos os componentes para um típico escândalo. Uma mulher bonita e na flor da juventude que conhece um dos atletas mais prestigiosos do seu tempo parece novela do horário nobre, e Antunes também vale-se disso a fim de segurar o público pelos 101 minutos seguintes, que poderiam ser muito mais.

O roteiro de Caroline Margoni e Carol Pires não acrescenta nada ao que as investigações ou o processo já iluminaram, mas não se pode negar que este é, sim, um trabalho jornalístico de primeira, enriquecido por uma profusão de imagens e reconstituições que acendem outra vez o interesse da audiência pelo que é exibido. Antunes vai e volta aos fatos, lugares e personagens que cercam a história, a começar pela própria família de Eliza. Sônia Moura, a mãe, lembra o relacionamento abusivo com Luiz Carlos Samudio, a cereja desse bolo amaríssimo, soterrada em meio ao entra e sai de entrevistas com autoridades e áudios de amigas da vítima. Destemida, Moura responde as cobranças sobre onde teria estado durante o calvário da filha, enquanto detalha como conhecera Luiz Carlos, um homem violento, indiciado por estupro. Espontaneamente, a diretora tece um estudo da personalidade da modelo, talvez inclinada a reproduzir os padrões que absorvera em casa desde tenra idade, o que, claro, não livra o criminoso de sua culpa, de comprovação bastante difícil, aliás. Rodeado dos bajuladores que não tardariam a virar seus cúmplices — como boa parte dos jogadores de futebol há algum tempo — Bruno foi o mentor intelectual do que parecia o plano irretocável quanto a tirar Eliza de seu caminho, e para que essa engrenagem sórdida funcionasse como o esperado, uma peça seria fundamental. Luiz Henrique Romão, o Macarrão, melhor amigo e ex-braço direito de Bruno, com mantinha uma relação homoafetiva eventual, chega ao ex-policial militar Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, e o contrata para executar Eliza, que quatro meses antes dera à luz o filho do ex-goleiro do Flamengo. Bola contaria com a ajuda de Jorge Luiz Rosa, sobrinho de Bruno. É aí que a casa desmorona.

Além das inconsistências nas declarações de Bruno aos jornalistas, o medo que Jorge Luiz sentia de Bola foi a gota d’água. A certa altura, o documentário fixa-se nesse elemento da trama para justificar as conclusões do delegado Edson Moreira, que apresentou a denúncia ao MinistérioPúblico de Minas Gerais, e a linha de raciocínio da juíza Marixa Fabiane Lopes Rodrigues, que condenou Bruno, Macarrão, Bola e Jorge Luiz por homicídio triplamente qualificado, sequestro e ocultação de cadáver. O ex-jogador foi sentenciado a 22 anos e três meses de prisão, mas cumpre pena em regime semiaberto desde janeiro de 2023. Aos catorze anos, Bruno Samudio de Souza, o filho de Bruno Fernandes e Eliza Samudio, integra as divisões de base do Botafogo.


Filme: A Vítima Invisível: O Caso Eliza Samudio
Direção: Juliana Antunes 
Ano: 2024
Gêneros: Documentário/Crime/Drama
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.