A saga do andarilho cibernético

A saga do andarilho cibernético

Depois do novo-rico, do novo-classe média e do cada vez mais comum novo-pobre, mais uma categoria se tornou clássica em terras que Cabral descobriu, Caminha divulgou e Bill Gates incluiu digitalmente: a do novo-enfezado.

Primo-irmão do velho zé-mané, o novo-enfezado tem no interior de sua caixa craniana um playground — desses com caixa de areia, escorregador, gaiola e cocô de gato — onde se refestelam ideias alheias, feito cachorro rolando na carniça. Ali, onde devia haver um cérebro, há uma espécie de hard-disk-curva-de-rio concentrando todo tipo de sujeira, limbo, galhos podres, preservativos usados e cadáveres em estado avançado de decomposição.

Segundo os especialistas em distúrbios de personalidade, isso acontece principalmente porque, como as pessoas que apresentam intolerância a lactose, glúten e outras substâncias, o novo-enfezado padece de uma severa alergia a tudo que contradiga o que seus heróis e dominatrixes determinam como bom e ruim.

Direto ao ponto, o novo-enfezado é uma criatura incapaz de gestar e semear suas próprias impressões sobre a vida. Então, abandonado por qualquer capacidade real de pensar de forma crítica, esse espécime se torna um grande receptáculo de música ruim, produtos duvidosos e espíritos zombeteiros. Passa os dias babando e penteando boneca.

E para mostrar ao mundo que “não é nada disso” e que tem visão crítica, sim, o novo-enfezado se arrasta pela blogosfera e pelas redes sociais, andarilho cibernético, em busca de opiniões que discordem das “suas”. Localizado o alvo, liga a metralhadora de cuspe e consome suas horas disparando insultos, ofensas e outros resmungos ininteligíveis e sem o menor fundamento. Então, sem mais argumentos além de ofensas contra seus interlocutores, arrasta o debate para o inferno de onde jamais deveria ter saído.

No twitter, o novo-enfezado é o cara cuja capacidade de comunicação se reduz a dar RT o dia inteiro. O sujeito não é capaz de formular um raciocínio sequer. O que sabe direitinho é repetir o que decorou e resmungar, sobretudo contra opiniões diferentes das que acredita ter.

Pobre novo-enfezado. Ele jamais vai perceber, mas não passa de um daqueles cachorros amarrados em pedaços diminutos de corda encardida, presos a um cano de torneira num quintal miserável e superpovoado de moscas, a quem as crianças provocam para vê-los rosnar e mostrar os dentes. Sem espaço para dar mais de um passo, o cão esperneia nervoso sem sair do lugar. E, cansado de pisotear os próprios dejetos em seu mundo de centímetros, prende o fluxo de suas próprias fezes, constipado e raivoso de morte. Daí o nome. Enfezado.

É triste. Mas verdadeiro. E o pior: o novo-enfezado nunca se identifica. É um cretino anônimo e covarde que se refestela esculhambando o outro sem mostrar a cara, escondido em pseudônimos e máscaras. Teso das intenções espúrias de sua tara. Extasiado com a própria perversão.

P.S.: se você é um novo-enfezado que vestiu a carapuça e vai me xingar e me ofender e inventar que sou filho adotado só porque eu não concordo com você, bem-vindo. Respeito a sua opinião. Agora, que tal terminar de ler, desligar o computador e descobrir a vida lá fora? Aproveita e passa antes no banheiro. Uma limpezinha intestinal ajuda sempre.

André J. Gomes

É professor e publicitário.