O filme de Charlie Kaufman na Netflix que mistura Foucault, Derrida e angústia existencial Divulgação / Netflix

O filme de Charlie Kaufman na Netflix que mistura Foucault, Derrida e angústia existencial

O cinema, em sua pluralidade, oferece diversas experiências que se adaptam às necessidades do público. Há momentos em que se procura por calmaria, e filmes adequados surgem para atender essa busca por quietude emocional. Da mesma forma, existem obras que optam por desorientar o espectador, conduzindo-o a uma sensação de exaustão quase física, como se tivesse corrido uma maratona em condições adversas, sentindo o desgaste não apenas no corpo, mas na alma. É o caso de “Estou Pensando em Acabar com Tudo”, de 2020, onde o impacto emocional é visceral.

Sob a direção de Charlie Kaufman, reconhecido por extenuar seu público, essa obra representa um passo além em sua trajetória. Kaufman já havia exercido essa habilidade em roteiros anteriores, como “Quero Ser John Malkovich” e “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças”, adaptando histórias para a tela de maneira a ressaltar a densidade emocional e filosófica. Ao assumir também a direção, ele mantém sua marca autoral, desta vez adaptando um romance que permite uma profunda exploração da natureza humana. O texto original, que já é denso, ganha camadas através da lente de Kaufman, que valoriza as nuances negligenciadas por outros diretores e escritores, conduzindo o público a um estado reflexivo que desafia a superficialidade muitas vezes presente em outras produções.

Desde o início, a narrativa se desenrola através da voz introspectiva de uma personagem envolvente. Vivida por uma atriz indicada ao Oscar, sua trajetória é uma combinação de simplicidade e profundidade. Estudante de física e poetisa nas horas vagas, ela lida com temas como o amor e a mortalidade com uma sensibilidade aguda. A jornada começa quando ela decide visitar a fazenda dos pais de seu namorado, apesar de já ter decidido terminar o relacionamento. Durante essa viagem, os pensamentos se acumulam em sua mente, gerando um fluxo de reflexões obsessivas, sugerindo que o rompimento é apenas um dos muitos dilemas que enfrenta.

O caminho até a fazenda se torna uma metáfora para a transição entre tempos e realidades, com Kaufman manipulando o roteiro para expandir as ideias presentes no livro. A obra flerta com o surreal, remetendo à obra de David Lynch, e aborda questões existenciais através de diálogos afiados entre os protagonistas. Ao longo da narrativa, o espectador é confrontado com questões sobre a realidade, a esperança e a vida. A personagem principal, em particular, oferece reflexões sobre a maneira como a humanidade se conecta com o mundo e com os próprios sonhos, um tema que ressoa com as teorias do pensador Guy Debord.

A evolução da personagem, que assume diferentes facetas ao longo da trama, confunde as fronteiras entre o real e o imaginário. Kaufman intensifica o desconforto ao alterar a percepção temporal dos personagens, e, em uma sequência especialmente surreal, os pais do namorado envelhecem diante dos olhos do público, enquanto o casal parece preso no tempo. As discussões filosóficas entre os protagonistas, que vão desde o suicídio de David Foster Wallace até a crítica cinematográfica de Pauline Kael, intensificam a complexidade da narrativa.

A jornada do casal através de paisagens desoladas culmina em uma série de eventos simbólicos. Ao fazer uma pausa em lugares que marcam sua infância, o protagonista revive momentos do passado, enquanto a personagem feminina, agora imersa em dúvidas, é confrontada com uma figura que representa um possível futuro ao lado dele. O desfecho da trama é carregado de simbolismo, sugerindo que os personagens podem ter encontrado algum tipo de paz, embora o filme se abstenha de fornecer respostas definitivas.

Kaufman conduz a audiência a uma experiência emocionalmente exigente, rica em simbolismos e complexidade filosófica. O filme demanda total atenção e entrega de quem o assiste, recompensando com uma profundidade raramente encontrada em outras produções.


Filme: Estou Pensando em Acabar com Tudo
Direção: Charlie Kaufman
Ano: 2020
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 10/10