Últimos dias para assistir na Netflix ao filme que todo fã de “O Poderoso Chefão” deveria ver Divulgação / Voltage Pictures

Últimos dias para assistir na Netflix ao filme que todo fã de “O Poderoso Chefão” deveria ver

A narrativa original, inspirada no livro “I Heard You Paint Houses”, de Charles Brandt, explora o papel de Frank Sheeran no desaparecimento de Jimmy Hoffa, enquanto o filme “O Irlandês”, de Martin Scorsese, adapta essa trama com uma precisão fascinante. Sheeran, notoriamente envolvido com a máfia, teve sua ascensão e trajetória traçadas a partir de sua relação com Russel Bufalino, um dos maiores chefes do crime organizado na Pensilvânia. O título “pintor de casas”, alusivo ao sangue que respinga nas paredes após seus assassinatos, torna-se um símbolo poderoso da brutalidade que marca sua vida criminosa. Esse enredo cruza a história americana com a face oculta da máfia, onde o glamour é apenas uma fachada para esconder a violência.

Por outro lado, o personagem Meier Suchowlański, mais conhecido como Meyer Lansky, representa uma figura similar a Sheeran, mas sob uma perspectiva russo-americana. Em “Lansky — Uma História da Máfia”, Eytan Rockaway investe em uma narrativa sobre o lendário mafioso judeu, oferecendo uma visão única sobre sua vida. Lansky, muitas vezes descrito como um mestre da ilusão e manipulação, carrega consigo a altivez característica daqueles que, mesmo ao fim da vida, não sentem remorso por seus atos. A sua figura é cuidadosamente retratada como um símbolo da sobrevivência do submundo, onde a linha entre o crime e o glamour é tênue.

O envolvimento de Rockaway com a história é mais profundo devido à colaboração com seu pai, Robert Rockaway, renomado professor e autor do livro “Meyer Lansky, Bugsy Siegel & Co”, que explora a vida de mafiosos judeus nos EUA. Essa parceria proporciona ao filme uma base sólida e reflexiva, desmitificando o falso brilho que muitas vezes envolve personagens do submundo. A abordagem de Rockaway vai além das convenções tradicionais, revelando as complexidades e contradições desses homens, ao mesmo tempo em que expõe a forma como a mídia e as instituições os transformam em figuras quase lendárias.

No universo cinematográfico, personagens marginais como Sheeran e Lansky conquistam uma atração inevitável, transcendendo a condição de meros coadjuvantes para dominar o cenário. Filmes que abordam o crime organizado e figuras sombrias, como esses personagens, sempre encontram seu lugar cativo nas telas. Existe algo magnético em assistir à luta desses anti-heróis pela sobrevivência em um mundo repleto de traições e violência. Não à toa, muitos desses filmes acabam por enveredar por uma glamorização, criando uma aura que desafia o tempo, enquanto os protagonistas encontram eco na mídia, na academia e até no Judiciário.

No caso de Lansky, a trama segue o mafioso já em seus anos finais, e Rockaway habilmente constrói sua imagem como um cavalheiro envelhecido, combatendo boatos de que teria acumulado uma fortuna milionária em paraísos fiscais. A atuação de Harvey Keitel, impecável e carregada de nuances, transforma Lansky em um homem que, à primeira vista, parece inofensivo e até digno de compaixão. As entrevistas conduzidas por David Stone, personagem de Sam Worthington, revelam lentamente as camadas dessa complexa figura. Stone, por sua vez, é um jornalista fracassado que vê em Lansky uma última oportunidade para salvar sua carreira e redimir-se financeiramente. Worthington entrega uma performance convincente como um homem à beira do colapso, lutando para sobreviver em um mundo que o consome.

O filme captura a essência do mafioso envelhecido, apresentando-o como alguém que, apesar da solidão e das doenças que o afligem, mantém uma aura de mistério. Em uma das cenas mais marcantes, Lansky caminha solitário por uma praia de Miami, refletindo sobre seu passado enquanto o câncer de pulmão avança, e esse retrato final de sua vida sintetiza a melancolia e o isolamento que, inevitavelmente, acompanham aqueles que trilham o caminho do crime. A ambiguidade de sua moralidade é palpável, e o filme, ao optar por essa abordagem, acaba por oferecer ao público um olhar mais humanizado, mas ainda perturbador, sobre a figura do mafioso.

Ambos os filmes, “O Irlandês” e “Lansky”, mergulham nas intricadas teias da criminalidade e dos dilemas humanos, criando retratos que, longe de serem simplistas, oferecem uma visão multifacetada sobre os protagonistas.


Filme: Lansky — Uma História da Máfia 
Direção: Eytan Rockaway 
Ano: 2021 
Gêneros: Drama/Crime/Thriller 
Nota: 8/10