Uma das histórias mais belas e delicadas dos últimos 5 anos, filme no Prime Video é um pequeno tesouro que poucos viram Divulgação / British Film Institute

Uma das histórias mais belas e delicadas dos últimos 5 anos, filme no Prime Video é um pequeno tesouro que poucos viram

Escrito e dirigido por Jessica Swale, o drama “Onde Fica o Paraíso” traz a talentosa atriz britânica Gemma Arterton no papel de Alice Lamb, uma escritora reclusa que vive isolada em uma casa à beira-mar no sul da Inglaterra. Arterton, com seu rosto expressivo e melancólico, dá vida a uma personagem complexa, marcada pela dor do passado e pelo isolamento autoimposto. Este filme, carregado de coração, com uma fotografia deslumbrante e uma narrativa surpreendentemente delicada, marca a estreia de Swale em um longa-metragem.

A história se passa principalmente na década de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial. Alice Lamb é uma mulher dedicada a desmascarar mitos e folclores, escrevendo artigos acadêmicos que buscam desvendar superstições populares. Entretanto, sua postura solitária e sua recusa em se encaixar nos padrões sociais da pequena comunidade onde vive fazem com que seja vista com estranheza e, em muitos casos, desprezo. Ela é conhecida como uma figura distante e até amarga, preferindo o isolamento ao convívio com seus vizinhos.

Essa vida solitária de Alice é repentinamente interrompida quando um jovem garoto, Frank, é deixado aos seus cuidados. Frank é um dos muitos jovens evacuados de Londres devido aos bombardeios da guerra, e precisa de um tutor temporário. Contra sua vontade, Alice se vê obrigada a cuidar do menino. No início, ela resiste ferozmente à ideia. Para Alice, Frank é uma distração indesejada, uma responsabilidade que a afastaria de seus estudos e de sua rotina solitária. O menino, para ela, parece ser uma pedra em seu sapato, algo que só traria atrasos e inconvenientes.

No entanto, à medida que os dias passam, algo inesperado começa a acontecer. Alice, que havia se fechado emocionalmente para o mundo, começa a criar um vínculo com Frank. A presença do menino em sua vida faz com que memórias esquecidas e sentimentos reprimidos venham à tona. Aos poucos, Alice é confrontada com lembranças de um passado que ela preferia manter enterrado, um tempo em que experimentou afeto, amor e pertencimento.

Essas memórias se manifestam através de flashbacks que transportam o espectador para a década de 1920, quando Alice vive um romance intenso com Vera (Gugu Mbatha-Raw). O relacionamento entre as duas mulheres é profundamente significativo, mas também desafiador, considerando o contexto histórico da época, onde relações homossexuais eram mal vistas e socialmente inaceitáveis. Eventualmente, Vera abandona Alice, deixando-a com o coração partido e mergulhada em uma vida de isolamento emocional.

Conforme Alice compartilha pedaços de sua história com Frank, o garoto demonstra uma maturidade surpreendente, recebendo suas revelações com empatia e compreensão. Apesar da complexidade do amor de Alice por Vera, algo que foge aos padrões convencionais, Frank não a julga. Pelo contrário, ele se mostra sensível à dor de Alice e à perda que ela enfrentou. Essa troca de confidências aprofunda o vínculo entre eles, e o que inicialmente parecia ser uma relação puramente circunstancial se transforma em uma conexão genuína e transformadora.

A estética do filme é outro ponto de destaque. A direção de fotografia de Laurie Rose captura de forma sublime as paisagens naturais do sul da Inglaterra, transformando o cenário em um personagem à parte. As cenas ao ar livre — em penhascos, campos floridos, pedreiras e, especialmente, à beira do mar — são visualmente hipnotizantes. Há uma qualidade mágica nas imagens, uma mistura de beleza natural e melancolia que ecoa o estado emocional dos personagens. Essa combinação de elementos visuais e emocionais cria uma atmosfera que enfeitiça o espectador, enquanto a trama toca o coração de maneira sutil.

O filme não apenas é visualmente belo, mas também aborda temas profundos, como o luto, o isolamento, o trauma emocional e a superação. Jessica Swale, em sua estreia como diretora de longa-metragem, consegue equilibrar momentos de dor e esperança, criando uma narrativa onde as conexões humanas têm o poder de curar feridas antigas. O relacionamento entre Alice e Frank é um testemunho da resiliência do espírito humano e da capacidade de encontrar redenção e cura através do outro.

“Onde Fica o Paraíso” foi lançado durante um período complicado: a pandemia de COVID-19, que limitou severamente a distribuição de filmes nos cinemas e forçou muitos a estrearem diretamente em plataformas digitais. No entanto, nem mesmo o caos global foi capaz de ofuscar o brilho deste longa-metragem. A crítica especializada foi quase unânime em reconhecer a sensibilidade de Swale como diretora, elogiando a forma como ela lidou com os temas do filme sem cair em clichês ou melodramas fáceis. Além disso, a performance de Gemma Arterton foi amplamente aclamada, consolidando seu status como uma das grandes atrizes britânicas de sua geração.


Filme: Onde Fica o Paraíso
Direção: Jessica Swale
Ano: 2020
Gênero: Drama/Romance
Nota: 9

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.