O filme mais emocionante e sincero de 2024, até agora, acaba de estrear na Netflix Divulgação / Netflix

O filme mais emocionante e sincero de 2024, até agora, acaba de estrear na Netflix

Nada como uma viagem com gente de quem se gosta para que renovem-se os ânimos, arrefeçam as velhas mágoas e exorcizem-se fantasmas de outros tempos. A metáfora cai como uma luva para definir “Will & Harper”, a reunião de dois amigos pelas estradas do Centro-Oeste americano durante a qual eles botam os pingos nos is e constatam que nada mudou — exceto por um detalhe. Josh Greenbaum embarca com os personagens-título, revelando para eles mesmos o que a memória foi tratando de empurrar para um limbo quase inalcancável. Will Ferrell e Harper Steele protagonizam momentos engraçados, venturosos, lúgubres, todos de irresistível honestidade, tônica que se mantém ao longo dos 114 minutos dessa jornada pelo que o horror do mundo não deixa-nos ver.

Egresso do “Saturday Night Live”, o humorístico mais tradicional dos Estados Unidos, Will Ferrell é um astro da velha escola de Hollywood — tão velha que é comum que não o reconheçam. Greenbaum aproveita a espontaneidade de cenas feito essa para criticar o artificialismo de uma indústriavive e se perpetua por causa das aparências, e então chama sua outra protagonista. Harper chamava-se Andrew Steele e foi o roteirista de alguns dos grandes sucessos de Farrell, o que dá uma pálida ideia do que se pode esperar dos dois juntos. Quando o passeio começa para valer, Will e Harper comem nos restaurantes de beira de estrada preferidos pelos caminhoneiros, lugares que ela frequentava antes da transição de gênero. Sempre acompanhando a dupla de muito perto, o diretor arrisca um ou outro comentário político, dando voz a uma Harper magoada (e com toda a razão), que diz amar seu país, mas que não sabe se é correspondida. Uma dúvida nada irrelevante.

O documentário entra um pouco mais fundo nessa discussão, valendo-se de Harper como uma porta-voz das minorias da América, cada vez numerosas e ruidosas na justa reivindicação de seus direitos, ao passo que Farrell encarna um palhaço de cara limpa, sem constrangimentos ou falsa modéstia, ávido por abafar as tensões, um seu papel com que o público acostumou-se depois de “Casa de Mi Padre” (2012), dirigido por Matt Piedmont, ou “O Tigrão” (2000), levado à tela por Reginald Hudlin, uma pérola de incorreção política. Com toda a sua singeleza, “Will & Harper” se fixa num daqueles chavões perturbadores, o que predica que a caminhada fatiga menos quando não se ouvem os próprios passos. Melhor ainda com uma risada de quando em quando.


Filme: Will & Harper
Direção: Josh Greenbaum
Ano: 2024
Gêneros: Documentário/Road movie
Nota: 8/10