O cinema reinventa lugares ao talante do que lhe exige o público, leia-se o mercado. “Yellowstone”, o faroeste meio thriller de John Linson e Taylor Sheridan, soa como uma tentativa encarniçada de recobrar-se a mística de um ambiente há muito superada, o que consegue em parte. Sheridan, a potência oculta nos roteiros de “Sicario: Terra de Ninguém” (2015), dirigido por Denis Villeneuve; “Sicario: Dia do Soldado” (2018), de Stefano Sollima, e “A Qualquer Custo” (2016), de David Mackenzie, põe em “Yellowstone” muito do que deixou somente insinuado naqueles filmes, empenhando todas as fichas na construção do intricado contorno psicológico de seu anti-herói, um tipo ao qual ninguém fica indiferente
Não se faz um bom faroeste sem personagens imbuídos de um desejo de retaliação, que se atiram sem medo a uma jornada contra quem desestabiliza a harmonia de sua terra mediante um crime e consegue até macular a honra de sua família com o sangue de um inocente. A premissa se mostra verdadeira no momento em que se começa a listar algumas produções que se aprofundam sobre o argumento do acerto de contas, e os vaqueiros americanos e xerifes entram nessa equação como sacerdotes profanos e bárbaros da terra, mestres na alquimia de fazer do talento em lidar com o lado mais primitivo da natureza uma qualidade prezada não só por quem os rodeia, mas por toda a gente. O problema é que, da mesma forma como também acontece em outros segmentos da sociedade na América, seu prestígio e mesmo sua presença foram gradualmente apagados da história, restando apenas a lembrança de uma época distante em que foram encarados sob a perspectiva dos grandes desbravadores que continuaram a ser, não obstante sua grandeza e mesmo o espaço físico que um dia ocuparam já fossem uma imagem pálida no horizonte da memória.
John Dutton é o dono de um pedaço de terra em Montana bem maior que muitas cidades, mas, como se sabe, os ricos também choram. No spin-off de “1923” (2022), também de Sheridan, exibida pela Paramount+, o protagonista vivido por Kevin Costner parece aquela fortaleza, porém logo se nota que o trauma do passado exposto em flashbacks ao longo da primeira temporada o atormenta. Esse núcleo hermético, liderado por Costner, mas sustentado também por Jamie, Beth e Kayce, os filhos interpretados por Wes Bentley, Kelly Reilly e Luke Grimes, respectivamente, balança do suave para o brutal e daí para o crime, com Lindon e Sheridan sabendo explorar bem tópicos a exemplo de grilagem, jogatina e a política por trás de cada um desses negócios, representados por Thomas Rainwater e Lynelle Perry, os personagens de Gil Birmingham e Wendy Moniz. A polêmica (e misteriosa) saída de Costner tem empanado o brilho de “Yellowstone”, que talvez já tivesse mesmo de cantar para subir. Antes a saudade que o tédio.
Série: Yellowstone
Criação: John Linson e Taylor Sheridan
Ano: 2018
Gênero: Faroeste
Nota: 8/10